sábado, 31 de dezembro de 2011

doze

este ano não farei promessas, nem pedidos, nem planos. deixarei que o ano comece nessa calmaria, vou tentar aquietar no peito as expectativas e ansiedades. vou respirar fundo, finalmente.
dois mil e onze foi diferente dos outros passados. e por diferente quero dizer que tem um charme próprio e uma coleção de novidades que me deixaram satisfeita, feliz. vai-se em bom tempo, nonetheless - clímax no terceiro ato, musica tema, cortinas. agora é esperar pelo o que vem. 
em dois mil e doze tudo irá dar certo - e eu falo isso com a certeza de quem, em dois mil e onze, finalmente aprendeu que não existe "errado".

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O que o edredon não aquece

Os meus pesadelos são raros, esparsos e pouco definidos. Felizmente, da minha coleção de problemas para dormir, sonhos ruins não fazem parte do catálogo.

Tenho um pesadelo recorrente, porém, que de vez em quando faz uma visita só para ter certeza de que eu ainda não o esqueci. É normal, eu soube, estes sonhos que vêm de novo e de novo e tocam justo o seu ponto fraco. O meu, não que eu possa explicar, envolve vulcões.

É sempre o mesmo cenário - uma vila, com casas de pedra e chão de terra. Pessoas caminham de bicicleta. Eu, acompanhada de um pequeno grupo com algumas das pessoas mais próximas a mim - este grupo, sim, varia - passeio pela vila com os pés descalços, sem procurar nada específico. De repente, a vila esvazia. Não há mais ninguém por perto, nem os meus amigos. De alguma forma descubro que o vulcão está ativo e prestes a entrar em erupção. Perdia, solitária, não sei onde me esconder e começo a correr - pés descalços - para o lado oposto.

Tenho gravado na memória o barulho que a lava faz ao me perseguir, um tipo de som rochoso, unitom, muito alto. Eu corro, não olho para trás. O som cada vez mais alto, perturbador. A lava escaldante quase toca os meus calcanhares. Às vezes me alcança e eu fico só com um braço para fora, tentando me agarrar ao ar. Na maior parte das vezes, porém, acordo antes.

Não consigo explicar, qualquer tentativa é vã. Também não sei quando foi a primeira nem a última vez que tive este sonho. Mas está ai, meu companheiro...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

to the beat

ando na rua com fones de ouvido. sempre. mesmo que seja até a padaria da esquina. qualquer coisa tocando, desde que seja um pouco mais harmônico que os carros pela avenida. gosto mais se a música tem uma boa batida, qualquer coisa com que eu possa ritmar os meus passos e neutralizar o resto da cidade. melhor ainda se a letra me diz algo em especial, para que eu me sinta tentada a olhar pelas ruas e procurar, lá fora, algo que traduza o que sinto aqui dentro. às vezes encontro, às vezes não. reconheço: é um péssimo hábito para alguém que já foi roubada no ônibus duas vezes - (em minha defesa, em nenhuma delas eu ouvia música). quando chego em casa, levo a bronca - anda ouvindo música!? não sabe como é perigoso!? o pior é que sei, sei sim. mas o que posso fazer? moro numa cidade ótima de viver, mas péssima de escutar. ou cheirar. ou ver. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Súdito

Um dia surgiu uma ideia, não sei exatamente como, pois não estava por perto para ver. Saiu da cabeça de uma amiga que, de vez em quando, é tomada por essa genialidade esquisita. Me disse - vamos continuar o jornal dos alunos? 

Eu estudo -(não Julia, repense) -  eu estudava em uma escola que, apesar da pose e do discurso, não é palco de grandes iniciativas por parte dos alunos. Não por falta de incentivo propriamente dito, só uma falta de fé generalizada, que as vezes escapa em voz alta com uma ironia ácida e pondera - você acha mesmo que daria certo? - com os olhos meio apertados e a cabeça que sacode de um lado para o outro, como que tentando fazer a ideia absurda cair pela orelha. 

Pois bem, sei lá, a gente achou que daria certo sim. Juntamos mais algumas pessoas. Não muitas, mas o suficiente. Marcamos reuniões semanais, como se soubessemos mesmo o que estávamos fazendo - porque, na verdade, tentávamos fazer renascer com magnificência um jornal estudantil que nunca, na história daquele colégio, esteve lá muito bem vivo. Sem contar que ninguém ali já havia editado ou escrito ou planejado um jornal antes. 

Depois de um belo atraso e certo esforço, encontramos patrocinadores. E fechamos uma pauta. Pensamos em um formato gráfico, escolhemos o tipo de papel. Pesquisamos preços de gráficas. Não sei quanto tempo gastamos tentando decidir entre cópias coloridas ou preto e brancas, e calculando uma tiragem razoável. Os textos já estavam passando por revisões e reescritas. Só faltava um nome. 

Porque a primeira coisa que fizemos para tentar fazer o jornal dar certo, foi nos desprender da ideia de que estávamos "continuando" qualquer coisa. Não. Aquele projeto era nosso, nascido do zero. Não queríamos, portanto - não sei, questão de honra - usar o nome que levara o último projeto. Mas, nossa!, como foi difícil ter uma ideia que agradasse a todos - tão difícil que inclusive, nunca a tivemos. Depois de semanas de discussões e votações, pendendo entre o muito brega e o muito anarquista, decidimos ficar com o trocadilho simpático que, em si, não faz muito sentido - O Súdito, o jornal dos alunos do Colégio Rainha da Paz. 

Saiu a primeira edição. Orgulhosos, caminhamos de um lado para o outro daquela escola, carregando pacotes e pilhas de jornal, distribuindo-os com sorrisos, cansaço e uma súplica sutil para que viessem novos membros. Como esperado, algumas cópias não foram nem tocadas. Outras foram tocadas, mas não lidas. E outras ainda - e isso sim me magoou - foram tocadas com um excesso de brutalidade, e logo transformadas em mero papel amassado. Os que leram, porém, estavam felizes, satisfeitos, um pouco surpresos e também orgulhosos. Tão entusiamados quanto nós, nos parabenizaram e pediram mais.

Depois de dois meses, saiu a segunda edição. E, fácil assim, quebramos um recorde. Mais ou menos no mesmo esquema do primeiro número, só que aprimorado - com o design gráfico mais bem pensado, matéria de capa, mais textos e redatores. Não podíamos estar mais felizes. 

Nos esforçamos mais um pouco. As reuniões semanais, agora bem mais objetivas, rendiam. Deixávamos de dormir algumas noites, e de estudar para algumas provas. Tudo bem, faz parte. No sufoco do fim de semestre, e semana de provas, e apresentações da peça do nosso grupo de teatro, saiu a nossa terceira edição. Papel diferente, design mais ousado e dinâmico, matérias mais bem pensadas e até um dossiê sobre assistencialismo. Apesar da equipe já um pouco reduzida, mais leitores e interessados surgiam. 

Não podíamos - não queríamos - deixar o projeto acabar depois de um semestre só. Havia muito mais para ser feito, só precisava de fôlego. E patrocínio. O segundo semestre foi apertado para todos - pois a equipe, feita principalmente por terceiro-anistas, precisava se focar no vestibular. Mesmo assim, conseguimos. Com uma equipe bem menor do que no início, soltamos a nossa quarta e última edição já no final de novembro. Na minha opinião, é a melhor de todas. A que mais tem a nossa cara, que melhor mostra a personalidade que a gente se esforçou para construir.

E é uma pena que tenha demorado tanto para nós, alunos, nos tocarmos de quanto valia a pena fazer alguma coisa pela escola. Não posso evitar me ressentir pelo meu primeiro colegial tão tímido, e pelo segundo colegial tão nervoso, que me fizeram demorar demais para entender que o tamanho do meu espaço ali seria diretamente proporcional ao meu esforço para consegui-lo. 

Agora que não sou mais do colégio e já posso dizer em alto e bom clichê que esta fase da minha vida acabou, sinto quentinha no coração a sensação de dever cumprido, e cumprido da melhor forma possível. Morro de orgulho e maravilhamento pelo o que minhas colegas Súditas e eu fizemos, em tão pouco tempo e com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Passamos o bastão para as turmas que continuam lá, e esperamos com todas as forças que eles continuem o que a gente começou - ou, melhor ainda, comecem um projeto próprio, do zero. 

Para os que se aventurarem, força!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ando meio distraída

esqueço 
antes mesmo de lembrar

e perco o foco

e perco tempo

e quando me vejo
já se foi um mês
e eu já nem sei o que pensei

segunda-feira, 13 de junho de 2011

fez-se o fim

O vento, os carros, o barulho, o sol se pondo. 
Ela falava da boca para fora, esbanjando cretinice e orgulho de ter a coragem para dizer aquilo. Olhava para os lados, procurando apoio e cumplicidade.
Ele a olhava com olhos pesados, ouvia com o coração e sentia cair pesadas no estômago todas as ofensas que ela o proferia. 
Ele lhe pediu piedade e que, por favor, parasse com aquilo. Ela não levou a sério, disse-lhe mais uma. 
Foi a gota d'água. 
Ele a pegou pelo braço fino, aproximou-a do seu corpo, apontou-lhe o dedo na cara e, enquanto seus olhos ferviam e chamejavam - 'é melhor você parar com isso agora, se não...'
Ela, de novo, não levou a sério, riu - não apenas um sorriso ou uma risada, mas uma verdadeira gargalhada de deboche e insensatez. Seus olhos ocos e insensíveis. 
Ele a soltou, fechou os olhos como quem previa, mas não esperava o pior. Olhou-a como quem não a conhecia - ou tinha vergonha de conhecer tão bem. Virou as costas, foi embora. 
Ela gritou mais uma ou duas coisas, não deixou que visse que seu orgulho estava ferido e seu coração, surpreendido. Olhou em sua volta procurando cumplicidade, encontrou apenas o meu olhar fugidio de desaprovação, logo desviado. Bufou, acendeu um cigarro e sentou-se na mesa da frente. 
Eu paguei minha conta.

domingo, 29 de maio de 2011

Um cheeseburguer e batatas fritas para acompanhar


“Oi, desculpa...” disse a senhora já se sentando ao meu lado, enquanto almoçava no balcão da padaria. Envergonhado por ter maionese até nas bochechas, apenas olhei-a gentilmente. “Desculpa te perturbar mas... É que eu tava te olhando ali do outro lado do balcão e...”. Verdade, estava mesmo, não parou de me encarar desde o momento em que entrei, e com olhos tão curiosos e perfurantes que não pude evitar ficar bastante desconfortável. “Sabe, meu marido morreu faz tempo, ontem fez 10 anos e, eu não sei se é por isso mas, quando eu olhei pra você...”. Já havia engolido e a esperava terminar a frase para dar a próxima mordida. Ela hesitava muito, como estivesse para me contar o maior segredo de sua vida. Encarei-a como quem diz: “Sim...?”. “Qual o seu nome?”. Marcos, disse com a boca meio fechada com medo de ter alguma alface entre os dentes. “Desculpa? Marcos?”. Arregalou os olhos, mordeu o lábio e segurou a gargantilha de prata. Sim, por quê? “Você vai achar que sou uma velha louca, mas... É... Você acredita nessas coisas de reencarnação?” Ahn, não senhora, desculpa, mas acho que não. “Ah ta, não... Tudo bem, é que quando eu te vi eu te achei tão parecido com... sabe, meu marido, meu Marcos, esse era o nome dele, desculpa o incômodo, viu? Meu Deus, deve achar que sou senil ou algo assim, desculpa de novo, termine seu almoço. Boa tarde.” E eu lhe garantia: não não, imagina, o que é isso, não foi nada, mas desculpa mesmo tá?, é que eu não sou dessas coisas, nunca se sabe, bom, boa tarde...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Aos que pacientemente esperam:

A maior parte dos meus sonhos são apenas surrealismos abstratos de impressões da vida, pouquíssimos me trazem mensagens. Os que o fazem, porém, são bem lembrados e, quando possível, viram textos e histórias.

Há algumas semanas, tive um desses. E apesar de alguns fatores - como o tamanho dos narizes e a cor incrivelmente roxa da parede da sala - sei que deve ser levado a sério, como  se meu inconsciente estivesse me dando a benção para fazer exatamente o que penso em fazer há tempos, dizendo-me que estou pronta. 

A verdade é que, embora não tenha dito nada por aqui e tenha contado com poucas pessoas apenas, eu definitivamente terminei O dia em que a noite não veio. Gostei do resultado, tanto que o imprimi e encadernei - e não há sinal maior de oficialidade do que a encadernação... 

Estive pensando em tentar a sorte, experimentar, mandar para uma editora e ver o que acontece. Passei umas noites procurando editoras, avaliando os catálogos, anotando endereços. Mas é preciso superar a vergonha, a apreensão e a insegurança antes de fazer qualquer coisa e, até algumas semanas atrás, achava que ainda não estava preparada. Acontece que tive aquele tal sonho, no qual tenho uma reunião com um editor (este que tem a sala roxa e o nariz inacreditavelmente enorme). Tenho a impressão - porque nos sonhos algumas coisas ficam sabidas mesmo sem ser ditas - de que estava na Companhia das Letras (o que foi bastante pretensioso do meu inconsciente, mas tudo bem) conversando sobre uma publicação para a minha história. 

Espero que não seja um sonho premonitório, pois aquela conversa tomou rumos esquisitíssimos e, de repente, estávamos na casa da minha avó - e é tudo que vou dizer sobre isso... Mas tenho quase certeza de que foi sim uma benção, e que vale a pena largar de frescura e tentar fazer algumas coisas boas acontecerem. 

Acho que vou no correio nessa semana, mantenho-os informados.

terça-feira, 22 de março de 2011

passado - futuro

É estranho mexer em papéis velhos e ver, com sua própria letra, ideias que já esqueceu que teve. 

Outro dia mesmo revirava em uma pasta que guarda quase todos os seus escritos desde 2007. A caneta muda, a grafia muda, os temas mudam – deus, até as opiniões mudam! – mas tudo é indubitavelmente meu. Reli contos e notas, coisas das quais hoje discordo das quais sinto vergonha, que quase não entendo. Mas como todas vieram de mim, como filhos, guardo e protejo. 

Em algum momento enquanto relia notinhas, encontrei uma carta – uma daquelas sem remetente, feita para ser lida apenas no futuro. Aparentemente, me esqueci dela, e a achei quase um ano depois do planejado. O pior é que me lembro perfeitamente de ter escrito a carta, de estar ainda no apartamento velho, sentada na ponta do sofá mais distante da janela, de vez em quando olhando as árvores verdíssimas balançando na janela. Lembro da situação como se fosse recente o bastante (ou importante o bastante...) 

Foi escrita no comecinho do meu primeiro colegial, em uma página do meu caderno de química, com uma caneta que emprestei para um menino que já saiu da escola (e levou a caneta junto, inclusive). Dizia coisas nervosas, aflitas, o quanto estava ansiosa para os próximos três anos e me perguntava se, durante aquele ano, consegui mesmo concretizar todos os planos – e, na verdade, alguns que foram esquecidos, outros ajustados, outros alcançados, outros postos propositalmente de lado... 

Depois de dois anos, o que me digo sentir não é nem mais verdade. Minhas ansiedades têm outros motivos, meus medos têm novas origens e meus escritos têm traços diferentes. É engraçado pensar no quanto mudou, como o tempo passou sem que tivesse percebido, e coisas que antes me pareciam tão dolorosas já são familiares – (“... semana que vem temos a nossa primeira prova de biologia. Enquanto estiver lendo essa carta, já terá feito no mínimo uma dúzia delas, mas mesmo assim, mesmo pensando assim, está nervosa com a primeira...”)
 
 Agora tenho certeza que sou com muito diferente de quem era no começo de 2009, eu cresci, e gosto disso.

terça-feira, 15 de março de 2011

3am


Assisto as horas passarem por mim. Não me tocam, não me mexo. Objetos imóveis, inexpressivos, frios – todos espalhados pelo quarto onde me confino. A música toca de novo e de novo, no mesmo volume, tom, cadência, e me pergunto como não me enjôo. 

É o tédio, é a preguiça, é o cansaço, é a insônia – tudo na mesma madrugada. É só quando, depois de olhar um ponto fixo por algum tempo, as cores e formas começam a se misturar é que devo ir me deitar, agasalhar-me por entre o edredon e finalmente dormir (e esperar, pois é apenas o dia seguinte que guarda a possibilidade de uma próxima noite tranquila).

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Nota:

Não se deixe enganar pelo sorriso e as feições gentis... Aqui dentro meu peito ainda bate com a ferocidade de uma besta.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Andante

com hora marcada, cansada, na chuva, sem rumo, com pressa, perdida, levada por um fluxo, atrasada, por andar, levada por um impulso, para perder peso, de cabeça baixa, para me sentir no meu lugar, com dor nos pés, para chegar lá, até corri...
de qualquer jeito, toda caminhada é melhor quando há alguém lhe esperando do outro lado.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Bela expressão

O violino começa. O piano acompanha. Um segundo suspenso no ar, enquanto a nota sustenida se alonga e a cortina ainda não sobe – mas é pouco tempo. Logo as luzes cintilam, o palco já aparece e bem no seu centro, imobilizada e perfeita, a bailarina espera. 

Sua dança começa, a rotina que treinara tantas e tantas vezes. Todo o esforço pela perfeição, agora sendo recompensado. A platéia é seu horizonte, o palco é sua vida. Valsa em seu sonho. Seus olhos, mais do que o seu sorriso aberto, brilham e abraçam a platéia em orgulho e egoísmo. 

Sei no que pensa. Pensa que agora deve dar o melhor de si, pois este é o momento de sua vida. Tem que se esforçar bastante para mostrar o andeor tão trabalhado. E nesse instante que passou, deveria ter esticado mais o joelho – lembra-se da aula em que a professora lhe chamou a atenção. Gosta de sua professora como se fosse sua mãe... E aquele pedaço do palco está escorregadio, tem de tomar cuidado quando chegar a hora das pirouettes. Arrepende-se da briga que teve com a sua mãe um pouco mais cedo, talvez devesse pedir desculpas. Será que ela está na platéia? Espera que sim, pois assim terá visto aquela arabesque maravilhosa. Acha que sua mãe se orgulha de vê-la no palco. Pelo menos sabe que compreende a sua paixão, disso tem certeza. A pirouette dupla saiu perfeita, que bom. Talvez o jantar hoje seja pizza, mas acha que vai preferir uma sopa mesmo... Olhe quantas pessoas na platéia, assistindo-a apenas, invejando seus gestos delicados, querendo estar em seu lugar. Não podem, aquela dança é sua – ela mereceu o solo, a fantasia, a atenção. Quanto poder, não?, tem todos aqueles corações na sua mão, controla-os com os movimentos de seus braços. Como é bom ser bailarina, desejada, invejada e querida...  6, 7, 8... Momento crucial da dança, concentra-se: demi plié, grand-jete, cambre, respire, lembre-se do joelho esticado, esqueça a dor no pé, pirouette, fim da música. 

Explosão de aplausos e orgulho – derrete-se em sorrisos, cumprimenta a platéia, agradece o carinho.

domingo, 30 de janeiro de 2011

#1


A manhã poderia ter começado melhor. O sol poderia ter brilhado mais forte, os passarinhos poderiam ter cantado mais alto e o céu de aquarela poderia estar meio tom mais anil. Mas ignorando as possibilidades que não se fizeram, tudo estava ótimo. 

E pondo-se na rua, calcanhares no asfalto, andava com um propósito. Não é que tinha pressa, mas certa expectativa crescia no peito, mais e mais, e por isso ofegava. 

O que fazer agora que, finda a caminhada, não havia ninguém ao seu lado? Não quem esperava, pelo menos. A solidão inesperada lhe causava constrangimento, olhava ao redor, olhos ofendidos, só para ter certeza do que – não – via. Pôs-se a esperar, já que não havia mais o que fazer. Sentou-se na sombra, as pernas balançavam, uma garrafa de água gelava os dedos. 

Com um resto de esperança ainda pelo corpo, suportava o tempo que parecia não passar, a espera do futuro próximo e – certamente – alegre. Mas o presente parecia interminável, alongava-se tanto que nem se podia tocar com as mãos. E os instantes congelavam-se apesar do calor, provocantes. 

Olhava o relógio com aflição, os ponteiros que pareciam andar para trás. Passou uma pessoa, mas não era bem quem esperava. Afligia-se. Quase uma hora de espera, a decepção já começara a destruir todo o pouco de esperança que sobrara. Quanta vergonha, ardia quase tão forte quanto o sol. Doía-lhe. Respirou fundo, meio que restaurou a dignidade. Dispôs-se a esquecer o episódio, sabia que seria melhor, arqueou as sobrancelhas para parecer que estava ali de propósito. 

Caminhava de volta já, sem pressa mas com uma enorme cicatriz. Respirava a brisa que vinha farfalhando por entre as árvores de giz pastel. Sim, a manhã poderia ter sido bem melhor...