quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

doze horas


tenho vivido a rotina ao contrário. passo as manhãs e tardes mergulhada em um tédio oscilante, alheia e cansada; os olhos abertos só enxergam paisagens. através da noite, porém, os olhos e o coração ficam despertos, procurando, no escuro, medir a distância do travesseiro até o teto. 

um arrepio passa pela espinha – o relógio narra a madrugada em tons graves. na cabeça pulsam listas imaginárias de compromissos, deveres, tarefas... martelam, incessantes, afastando o sono e o descanso. 

o silêncio oprime à medida que também conforta. forma-se uma pressão abafada, quase um abraço. no ouvido, um zumbido constante incomoda. longe, um carro passa por uma lombada, um cachorro rosna e um galho geme. ruídos, apenas ruídos, não interferem no silêncio congelado do quarto. 

o cobertor pesado aquece a pele, mas não o coração. seria quase um afago, mas sua falta de vida decepciona. o escuro da noite agora se dissolve em penumbra diante dos olhos acostumados, e o quarto calado encara, vazio, de volta. a insônia entristece e lágrimas ensaiam cair. dessa vez, a solidão não conforta. com os olhos forçadamente fechados, procurando, desesperada, um toque gentil, encontro apenas o concreto frio da parede. o toque assusta, quase fere. 

vencida, levanto-me. sei que devo procurar conforto em quem certamente me dará. os passos cuidadosos já conhecem o caminho, o corpo cansado joga-se a frente, desejando o chegar logo. além da porta de madeira, outro universo se estende. mais escuro, mais quieto, mais desconhecido. porém, não vazio, tão simplesmente oco quanto o meu próprio... na cama de casal, minha mãe se estica em uma diagonal, mas acorda com a aproximação dos meus passos. 

trocamos palavras, algumas. O sono encobre algumas das suas, mal as entendo. respondo algo, não ouve. aceita-me com um abraço, ou algo do tipo. coloca seu braço em minha barriga, perto do coração, como se o sono fosse contagioso. 

logo ressona. eu, ainda só, recrio. revivo cenas do dia que foi, relembro sonhos e desejos, refaço aquelas mesmas listas de antes. suspiro, o meu sono não chega.

minha mãe agora ronca. ronrona, na verdade, discreta e gentilmente. é bom, quebra o silêncio, e o seu toque quente quebra o desconforto. meu lado do colchão está quase quente. 

a madrugada passa, os olhos navegam entre o aberto e o desperto. um galo canta, estranhamente. a sol nasce em glória, invade o quarto pelas falhas da persiana. a manhã dourada interrompe meu primeiro cochilo.

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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana