Sempre me impressionou a rapidez com que as coisas mudam. Em março, por exemplo, não poderia imaginar que estaria aqui hoje, escrevendo este post. Mas já que mudam assim, sem termos o mínimo controle, simplesmente acompanhar é a nossa única opção.
Logo no começo do ano escolhi, como primeira opção, cursar o Projeto de Literatura Africana (de países lusófonos). Estranha escolha, muitos me falaram, às vezes com uma simples careta ao invés de palavras. Mas nada disso me incomodava, afinal fiz esta escolha por ter certeza do que quero para o meu futuro: estudar literatura. Todo e qualquer conhecimento que adquirir agora me trará benefícios depois. Percebi o quanto é difícil para as pessoas compreenderem e aceitarem uma produção cultural africana que seja mais que barulhos corporais e danças folclóricas. Foram inúmeras às vezes em que me encontrei diante de: “ah, e África lá tem literatura?”. Mas nada disso me atingia. A monografia que Ana e eu escrevemos para o Projeto, como um simples trabalho escolar, acabou se tornando uma atividade extracurricular. Fomos convidadas pela professora para tentar nos inscrever na FEBRACE. (Está lá, inscrito. Agora só nos resta esperar.) Esta possibilidade de continuação do trabalho fez com que muitas discussões e análises se fizessem necessárias, o que nos transformou em duas defensoras ferrenhas da literatura africana. Comentários e desprezo para com essa literatura já não são mais permitidos perto de nós, que com nossos humores costumeiros, fazemos questão de exibir o nosso incomodo. É difícil o ouvinte entender o porquê do sermão – e, por ter a ferramenta e finalmente, o tempo – decidi escrever-lhe e esclarecer tudo.
Desconsidere, antes de tudo, qualquer que seja a sua visão sobre literatura. Ignore, por alguns momentos, os “objetivos” que enxerga em qualquer produção literária. Pensar que livros são feitos somente para o divertimento do povo alfabetizado, para lhe servir de passatempo; escritos apenas por figuras excêntricas e reservadas, que gostam de questionar o mundo ao seu redor e lhe expor seus pensamentos íntimos, suas idéias e opiniões avançadas para as suas épocas; análise da sociedade; produtos feitos exclusivamente para o mercado – são todas visões parciais. Tipos idealizados de escritores foram criados, obedecendo tais objetivos. Paira um ar de classe média alta enquanto se pensa em literatura norte-americana. Da produção britânica, então, nem se fala! E é então que chegamos aos estereótipos africanos – vários países sofrem com problemas sociais, econômicos e políticos, e ainda há o bom e velho preconceito racial, para dar o toque final neste pacote de insensibilidades – que esbarram nas nossas imaginações e nos impedem de pensar em qualquer produção literária na África. Mas as coisas, obviamente, não são bem assim.
Angola, o país por nós estudado, fortaleceu a sua produção durante o período colonial, pois fez da literatura uma ferramenta de resistência, utilizando-a para a construção da identidade cultural angolana e na luta pela independência do país. Os intelectuais participavam efetivamente das guerrilhas, com armas nas mãos. Pepetela, intelectual angolano, fez de sua novela As aventuras de Ngunga uma ferramenta para a alfabetização e educação de guerrilheiros. Os "objetivos" da literatura angolana saem dos padrões por nós estabelecidos, e por isso pode nos parecer estranho uma produção literária feita para libertar um povo do regime colonial que os controla.
O escritor contemporâneo estudado foi Ondjaki, que nasceu após a independência angolana (1974) e, portanto não lutou em guerrilhas, mas escreve com um viés autobiográfico, narrando histórias de sua infância, indicando uma mudança na literatura angolana. Ao contrário do que se é dito, a literatura angolana pode sim ser considerada de muita qualidade, mesmo quando não relacionada com guerrilhas e lutas pela libertação. É quase um absurdo dizer que escritores angolanos podem apenas criticar e reinvindicar a situação social de seu país, sem poder inserir em seus textos, memórias e sentimentos. Ondjaki é uma prova viva disso.
Moçambique segue uma trajetória semelhante, pois também foi uma das últimas colônias portuguesas a se tornar livre.
A tese ainda continua. 30 páginas quase, com citações e uma bela formatação. Foi um longo, mas gratificante trabalho, que nos deu a possibilidade de escrever, hoje, um post em defesa à literatura africana. Não há mais justificativas para qualquer descaso ou desprezo; o básico lhe foi explicado. Não esperamos que se interesse por este assunto, assim como aconteceu conosco, mas peço pelo menos que perceba o que é a tal literatura africana, e o seu verdadeiro valor.
E não nos venha mais com comentários impertinentes.
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Mário Quintana