sexta-feira, 30 de março de 2012

impressões de um mês

todos os dias, algo novo. algo completamente diferente de tudo o que já vi, e ao mesmo tempo, algo que irei me acostumar a ver pelos próximos anos. é uma enxurrada. e tudo passa tão depressa quando se está despreparada.
me olho no espelho, de novo e de novo - o rosto é o mesmo, mas poxa!, tudo mudou aqui por dentro.
é essa coisa de liberdade. e essa coisa de escolhas próprias. e essa coisa de maturidade. não faz muito bem pra cabeça; faz muito bem pra alma.
respiro melhor, durmo melhor, sorrio melhor.
e todo um futuro estendido à minha frente. que pressa que tenho, só quero alcançá-lo. vou dormir pensando no dia em que poderei dizer, com humildade e orgulho e um toque de vaidade: sim, eu fiz a minha vida acontecer. bem do jeito que quis. 
esse dia vai chegar, ô se vai.

domingo, 11 de março de 2012

#3


É uma linha muito tênue que delimita o estar sonhando e o estar acordado. É um de repente que faz com que o sonho se desmanche e os olhos se abram. Pesados, os olhos veem alguns borrões, enquanto um suspiro longo sobe pelo nariz e os lábios grossos se descolam. Rola na cama até estar de barriga para cima, se livra do edredon, estica o corpo até as pontas dos pés. Por alguns instantes ainda, com o corpo completamente imóvel e os olhos completamente abertos, encara o teto branco acima da cama. Pra quê? – para acreditar que acordou, para se lembrar do que tem que fazer agora, para desenhar na cabeça quais serão os próximos passos, para ter certeza de que o teto está exatamente onde o deixou na noite anterior. Poe os dois pés juntos no chão, pés descalços no chão frio. Mexe os dedos, alonga os tornozelos, estica as costas, estala o pescoço. Quando finalmente levanta, postura firme, sente calafrios correndo o corpo quente como raios, arrepia os pelos do antebraço e os punhos se fecham como um reflexo.

De pé na cozinha, esquenta água para um chá. A chaleira amassada vacila em cima do fogo aceso, som metálico de um tec-tec mecânico. O cheiro de maresia na mobília, nos talheres, nos papéis, nas roupas, impregnado no nariz. O vento vem do mar e bate na porta, mas não pede licença para entrar pela janela. Cerrada, a cortina ainda resiste um pouco, mas cá e lá abre um espaço para que a brisa invada a sala. O sol parece que expulsa as nuvens do céu, o azul fica até esbranquiçado. Próximas, as ondas avançam gentis na areia, de novo e de novo; lá longe, batem nas pedras e para trás só deixam uma espuma amarelada.

A chaleira apita.
O chá é feito.
A onda avança na areia.

Senta-se na primeira cadeira que vê, xícara ao alcance. Como quem pretende impressionar alguém, cruza as pernas e abre o jornal com determinação tal que as folhas se amassam e quase rasgam. As pupilas dançam pelas palavras, algumas chamam sua atenção, os lábios imitam uma leitura e as sobrancelhas se curvam em apreensão – na cabeça passeiam mil ideias, mas nenhuma relacionada com o que vê no papel. Volta a dobrar o jornal e o coloca no chão. Aperta a xícara com as duas mãos, dá um gole e outro mais. Com os nós dos dedos ossudos bate na mesa de madeira para afastar um pássaro que havia parado no peitoril da janela – e com o seu pescoço de pássaro, olhava para cá e para lá, e para lá.

Então, ali, espera. Pois a manhã vai acabar e a tarde vai passar e a noite vai chegar. Será hora de fazer todo o ritual ao contrário – tomar mais um chá, voltar ao quarto, deitar de barriga para cima, encarar o teto, guardar-se no edredon e fechar os olhos até que, sem perceber, esteja do outro lado daquela linha tênue, sonhando.