sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A memória eterna

Já era fim da tarde. Ela tinha se levantado rápido demais da cadeira, e por isso, tudo girava. A pouca luz que iluminava o estacionamento era suficiente apenas, as lâmpadas dos postes não estavam acesas ainda e a noite se aproximava mais rápido do que nunca. As árvores estavam paradas por causa da falta de ventos daquela tarde de verão, e os pássaros se reuniam nos fios elétricos suspensos por toda a rua.

Não havia nenhum barulho ou movimento. Estava tudo tão bonito.

Ela fechou os olhos e desejou, com toda a sua vontade, que aquele momento pudesse durar para sempre. Lágrimas quase caíram dos seus olhos quando viu que os pássaros iam embora, um por um, enquanto um avião passava em cima de sua cabeça, fazendo o maior estardalhaço.

Bom, na memória ele dura, ela pensou e foi se deitar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A adolescente e a sua mãe

Era o mesmo aperto no peito que ela sentira muitas vezes antes. Vinha como uma avalanche discreta que a impedia de pensar ou agir. Isso deve explicar a sua dificuldade em abrir a porta. Já não conseguia segurar o choro com tanta segurança e sentiu um grande alívio quando a chave se virou na fechadura. Seus joelhos doíam e sentia um grande cansaço, mas acima de tudo, seu coração parecia não mais agüentar todo aquele desespero. Entrou esbaforida na casa, jogou sua bolsa na poltrona mais próxima e sentou-se no sofá. As lágrimas finalmente começavam a cair pesadas e magoadas, mas que iam vagarosamente aliviando o desespero antes sentido. Ela sabia que estaria sozinha. Sabia que quando voltasse de sua aula, tudo estaria exatamente no lugar onde foram deixadas. Isso fazia com que suas lágrimas caíssem ainda mais magoadas. Quinze minutos depois ela já estava no banho, com as cicatrizes daquele desespero se escondendo - elas nunca se curavam. Até hoje, algumas continuam abertas, mas não doem contanto que estejam esquecidas na memória. Muitas horas depois a sua mãe chegou, acompanhada do resto de sua família. A adolescente sorria com a alegria de uma criança diante o Natal. Era um dos sorrisos mais sinceros. Talvez a segurança e o alívio de finalmente tê-la por perto faziam com que a sinceridade ficasse ainda mais clara. A expressão de sua mãe era de cansaço. Estava faminta, sua cabeça e suas costas doíam por causa da bagagem pesada. A viagem tinha sido longa demais – agora ela só queria dormir. Sentindo a pura ansiedade, carente como sempre, a adolescente falava nervosamente com a vontade de conversar com a sua mãe, recuperando o tempo perdido. Sabia que a sua mãe não estava interessada naquilo, mas sentia que precisava contar tudo com todos os detalhes, só para poder continuar a fingir que a sua mãe sempre esteve ali.


Com sorrisos e piscadas a mãe ouvia tudo, porém um pouco distraída. Mostrava em seu rosto que tentava se importar com a urgência das fofocas, mas ainda assim, só queria dormir.


Já um tanto sem fôlego e finalmente quieta, a adolescente observava enquanto a sua mãe comia - sabia o que viria a seguir. Sabia que depois que a sua mãe terminasse, elas se abraçariam por um bom tempo, e que depois iriam dormir. Também sabia que ia demorar um pouco até cair no sono, e que de manhã teria que acordar cedo e sozinha, já que a sua mãe não ouviria o despertador.


Isso fazia com que aquele desespero inicial voltasse talvez um pouco mais sutil, mas ainda devastador, e então ela tentaria adiar o máximo possível a hora de dormir, só para poder ficar mais tempo com a sua mãe, só para conseguir diminuir o tempo que ficaria acordada e sozinha no escuro. E para isso, ela recomeçou a falar.
Mas a sua mãe já estava cansada demais para fingir que se interessava. Para fazer com que a adolescente parasse de falar de vez, abraçou-a muito mais forte do que de costume, deu-lhe um beijo na bochecha e jurou amor eterno.


Este abraço bastou para que todo o desespero e angustia sumissem, e então a adolescente conseguiu dormir com a confiança de quem sabe que o amor é indestrutível.

sábado, 8 de novembro de 2008

Nota de uma sexta

Passei algumas horas com ela e nós conversamos sobre assuntos rotineiros.
Mas dessa vez eu a olhei nos olhos.
Agora, eu a conheço muito mais.

domingo, 2 de novembro de 2008

No Parque

E elas meditam.

Talvez não exatamente isso, coisa parecida. Estão sentadas no parque, sentindo a grama pinicar os seus dedos, olhando para o menino sentado no banco à frente, batalhando com o picolé que derretia sob o sol quente. Estão ali há algum tempo já, observando o movimento e as pessoas, sem se mexer, sem pensar, sem falar. Sem pensar, eu digo, pois não fazem qualquer sinal de gozação ou bom humor. Estão apenas ali, sentadas as duas, cada uma com a sua vida.

Uma delas é feia. Usa óculos grosseiros e redondos, tem o nariz todo marcado de cravos e espinhas, seu cabelo é bagunçado e volumoso. Seu sorriso é bonito, porém. Tão bonito, aliás, que compensa por todos os outros defeitos fisiológicos que a garota tem. Até seus olhos tortos são desculpados por causa deste seu sorriso.

A outra, é claro, é linda. Olhos grandes atraem toda a atenção, e combinam com o formato do seu nariz e com a cor de seu cabelo. Os raios do sol fazem com que mexas mais ruivas aparecessem, fazendo com que o tom castanho claro de seu cabelo mude. Seu sorriso é bonito também, mas não tanto quanto o resto do seu rosto.

E era disso que a feia se gabava toda vez que as duas brigavam por qualquer motivo que fosse. Ter o sorriso mais bonito do que o da amiga a fazia sentir as nuvens tocar os pés. Ter o sorriso normal, enquanto o da amiga era lindo não fazia nenhuma diferença na vida da outra. A feia vivia dentro de um mundo de insegurança e baixa-auto estima, enquanto a outra - que depois de muitos anos perdeu a paciência para essas coisas - não se importava nem um pouco, mas mentia descaradamente para a amiga, confortando-a do jeito mais superficial e invejado do mundo. E assim levavam a vida. A feia chorava, a bonita lhe dava os ombros, mas fingia que não.

As duas já estavam sentadas no parque há pouco tempo, e aquela sensação de ansiedade e carência apertam no coração da feia. Ela olha para a amiga, que observa os meninos jogando futebol.

"Seja sincera agora." disse a feia encarando os olhos da bonita como se quisesse intimidar a mesma para ter certeza da sinceridade. Respirou fundo e desabafou "Você me acha bonita?"

A outra lhe olhou com certa surpresa, pensou um pouquinho antes de responder, e também desabafou "Nem um pouco."

A feia suspira com o alivio da verdade e se desaponta com a dor da traição.

E então elas meditam.