quinta-feira, 31 de julho de 2008

Pipoca com Café

Era uma amizade que - para as duas - fazia muito sentido. As duas juntas formavam uma combinação perfeita, como pipoca e café - o tipo de combinação que te arrepia, mas que depois de juntos, mesmo sendo horríveis, são inseparáveis. Do mesmo jeito que pipoca com café lhe causa ânsia, essas duas lhe causam sentimentos inexplicáveis.
Se conheceram quando crianças, ainda pequenas demais para escolher as próprias amizades. Foram ditas para se odiarem com todo os seus corações moles, e foi isso que fizeram. Brigaram todos os dias durante uns três anos, brigas bobas que duravam horas e horas e que ainda assim não acabavam, só entravam em recesso até a manhã seguinte, quando, com o fôlego recuperado, recomeçariam tudo. No começo era até divertido para aqueles que assistiam, já que as duas eram entupidas de sarcasmo e maldade até o topo, mas depois de três anos começaram a perder a graça. Quando as duas perceberam que não tinham mais público ou energia, decidiram começar a simplesmente se ignorar.
Se ignoraram por algumas semanas. Foram semanas tristes aquelas... Sem assunto com as amigas, sem babado no recreio, sem sensação de superioridade. Foi então que perceberam que, sem querer, se tornaram completamente dependentes daquela relação de ódio e "amor não assumido".
Como as duas eram extremamente orgulhosas e, se me permite, burras, demoraram mais ou menos um ano até tomarem coragem para começarem a conversar.
Quando começaram também não pararam.
Julia e Ana viraram melhores amigas, mas no começo não era uma amizade muito fácil de se administrar. Elas eram muito diferentes, em um jeito muito parecido de ser. Mas ao longo dos anos, elas se concertaram sem mesmo perceber.
Duvido que Ana tenha percebido o quanto de paciência precisou ter até Julia aprender o significado dessa palavra. E como usá-la. E não acho que Julia saiba como foi compreensível com Ana, que ás vezes só precisava que alguém lhe falasse o que queria ouvir, ao invés da crua verdade que estava-lhe sempre pronta na ponta da língua.
As duas aprenderam a se entender.
Depois de alguns anos juntas, Julia já estava acostumada com os desgostos bizarros de Ana, assim como Ana já não se importava mais com as piadas horríveis de Julia - ou com o seu mal-humor ocasional. De vez enquando até ria.
Não tinham gostos parecidos para a música, ou cinema, ou comida, ou livros, ou roupas. Mas sempre conseguiram se entender, respeitando a outra com um tipo de respeito tortuoso, que apenas as duas entendiam e aceitavam sem problemas.
Uma participou muito do crescimento da outra. Durante toda a adolescência ficaram juntas, durante as notas boas e ruins, interesses confusos, problemas de família, crises de identidade e alguns finais de semana.
Adoravam se divertir a custa dos outros. Não era preciso falar nada, com apenas um olhar malvado elas se entendiam. Elas faziam bastante disso, mesmo quando o comentário não era maldoso. O senso de humor delas era tão peculiar e parecido, que eram as únicas a entenderem as piadas que não faziam.
Como passavam muito tempo juntas, acabaram ficando muito parecidas até no jeito que tratavam os outros com a ironia delicada que compartilhavam. Como essa ironia era uma grande parte daquilo que eram, viviam sendo confundidas. Seus nomes eram trocados e misturados e confundidos o tempo todo, afirmando qualquer tipo de hipótese que tinham sobre as suas similaridades.
Ana era a única que conseguia confortar Julia.
Julia gostava de pensar que era aquela que sabia ouvir Ana.
Então elas cresceram. Juntas.
E nada na amizade delas mudou.
Continuam, até hoje - e espero que para sempre - a mesma combinação confusa e perfeita, como pipoca com café.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Para Amora - ao fim da inocência

Amora, qual é o seu problema? Não sabe o quer do dia, não sabe o que quer da noite. Vaga longe, sozinha pela madrugada vazia, querendo apenas um coração para chamar de seu?
Amora, amora. Me deixou sozinha esperando pela estrela cadente, enquanto foi procurar o sentido da Lua. Por acaso não sabia que é o mesmo sentido do Sol?
As minhas estrelas, Amora, nunca foram tão lindas. Brilham sem saber por quê. Mas você não pode vê-las, pode?
Sim Amora, meu mundo funciona sem você. Mas nada é igual. Nada é melhor.
Saiba, levou um pedaço de mim quando partiu, mas não... Não o quero de volta.
Sou grande agora.

terça-feira, 29 de julho de 2008

História de um João Inexistente

Eu sou João, e eu existo sim. Eu sei que é bem confusa essa história de que um cara que existe escreve uma história sobre alguém que não existe, sendo que esse alguém sou eu mesmo. Sem metáforas, eu não existo mesmo. Mas a história de como eu virei um inexistente em uma longa tarde de verão é simples, e pode ser facilmente contada.
(Alguns detalhes importantes para a minha inexistência são que eu tenho trinta e quatro anos e moro com a minha mãe. Não trabalho, já que a minha mãe me sustenta fazendo salgadinhos de festa para encomenda. Nunca pus o pé na rua, porque sempre tive preguiça e nem um pouco de curiosidade, e minha mãe nunca me forçou a sair de casa. Com isso pode-se concluir que não tenho amigos, e que fui educado em casa com um professor particular.
Tenho muita preguiça de fazer coisas que julgo desnecessárias, então não as faço. Por isso não conheço o chão embaixo do sofá , não abro a geladeira desde os meus cinco anos e não leio jornal.
Tenho manias estranhas e as pessoas me acham esquisito.)
Desde pequeno eu gosto muito de leite com chocolate. Eu sei que todas as crianças gostam, mas eu tenho uma relação especial com leite com chocolate. É mais do que apreciação, é uma paixão verdadeira, quase uma obsessão.
Para mim, leite com chocolate é mais do que uma bebida, mais do que uma refeição. É uma invenção divina, a água dos deuses. A mistura de leite integral com as duas colheres e meia de sopa de chocolate em pó feita dentro da caneca da minha falecida avó, mexida com uma colher de alumínio, com movimentos anti-horários apenas, que a minha mãe faz assim que eu toco o sininho de prata é tão harmoniosa que me faz lacrimejar! (Porém, se não for feito assim é só uma gororoba qualquer.)
Um dia eu acordei com a estranha vontade de abrir a geladeira - e foi aí que tudo começou. Assim que abri a porta pesada, me deparei com uma caixa de leite aberta, e nela estava escrito "Semi-desnatado". E ainda haviam mais oito caixas iguais, fechadas, quietas na prateleira de baixo. Meu coração quase parou.
Corri para o quarto, onde encontrei minha mãe consertando forros de almofadas. Contei do ocorrido e ela ficou mais assustada com o fato de que eu tinha aberto a geladeira do que com o que estava escrito na caixa de leite. Pelo menos foi o que ela me disse, acompanhados de "e é claro que está escrito 'semi-desnatado'. É o tipo de leite que eu compro desde que você começou a falar. Quem mandou ficar vinte e nove anos sem abrir a geladeira?"
Percebi que ela estava falando sério. Com um pouquinho de ironia, mas sério de verdade. Foi então que ouvi um pedaço de mim se soltar do meu corpo e cair no chão, quebrando-se em milhares pedacinhos. Parte de minha história morreu naquele momento. Como assim? Quer dizer que a minha bebida maravilhosa de leite integral com chocolate em pó na verdade era de leite semi-desnatado? Que nojo de mim mesmo.
Respirei fundo, segurei minhas lágrimas e decidi sair de casa (afinal, antes tarde do que nunca, né) e ir até a "loja da esquina", onde minha mãe costumava ir todas as semanas me comprar bala de morango.
Marchei para fora do quarto e pela primeira vez na minha triste vida eu passei pelo portão de entrada da minha casa. Devo confessar que tive um pouco de medo. Virei a direita e andei determinado até a esquina, mas tudo que encontrei lá foi uma casa parecida com a minha, e que não era a "loja da esquina".
Juro que ouvi outro pedaço da minha alma se quebrando, virando pó.
Quer dizer que a "loja da esquina" fica na esquina da esquerda! E em toda a minha vida eu imaginei que ela ficava na direita. Nos meu sonhos e fantasias minha mãe sempre virava a direita. O tom de voz que ela a usava para me contar sobre a "loja da esquina" me apontava à esquina da direita.
Mas, sem problema. Só mais uma coisa que me caracterizava como "João, o existente" que desapareceu, mas como já disse, sem problemas. É só me controlar bastante, que as lágrimas não caem dos meus olhos.
Cruzei o quarteirão, a procura da "esquina da esquerda" e da "loja da esquina", que aparentemente ficavam no mesmo lugar.
A "loja da esquina" era um lugar muito simpático. Um grande balcão, várias prateleiras com várias coisas estranhas e coloridas. Atrás do balcão havia um homem barrigudo, com algo que parecia um lápis atrás de sua orelha, que conversava com um magrinho mal-humorado que sentava em um banquinho de madeira do seu lado, com os braços cruzados e os olhos fixos no chão.
Me aproximei do balcão, me apresentei como João, falei que era filho da minha mãe e que gostaria de um saquinho de bala de morango. E por favor. O barrigudo e o magrinho se entre olharam e esboçaram um sorrisinho como se soubessem algo sobre mim que eu não sabia.
"Sim, eu sei quem é a sua mãe, mas nós não vendemos bala de morango". Com essa revelação não ouvi nada se quebrar. Na verdade, só fiquei confuso. Da onde vem a bala que eu venho comendo durante todos esses anos?
"Tem bala do que então?"
"Nós temos de framboesa, e é desse tipo que a sua mãe compra para você toda semana, desde os seus quatro anos." O mal-humorado me disse com desprezo na sua voz.
Então eu ouvi mais um pedaço da minha alma cair no chão e se despedaçar. E ao passar do dia ia ficando cada vez mais inexistente. E surpreso.
Quer dizer que por toda a minha vida comi bala de framboesa achando que era de morango, bebi leite semi-desnatado achando que era integral, virava direita ao invés da esquerda, acreditava em A quando era B! Basicamente, vivi trinta e quatro anos de mentiras! E depois de tudo, o que me caracterizava como João... Simplesmente não existe.
Voltei para casa comendo minhas balas de framboesa que eu comprei na "loja da esquina da esquerda" pronto para enfrentar a minha mãe. Estava pronto para brigar com ela! Afinal, como se pode dizer para uma criança de quatro anos que ela não precisa ir para a escola se está com medo dos meninos - mais novos - que roubaram o lanche dela.
Ou então concordar com uma criança que não quer mais sair da própria casa, porque ficou traumatizada quando pisou no cocô de cachorro que não estava fazendo nenhum mal a ninguém.
Bati o portão da entrada, entrei batendo o pé dentro de casa. Abri a porta do quarto da minha mãe com toda a vontade que tive. Ela estava sentada na cadeira perto da janela, bordando. Parecida tão inofensiva.
Amoleci um pouco. Quase fiquei quieto, mas lembrei da pessoa que aquela mulher havia criado e que não existia mais. Lembrei de como eu tinha acabado de descobrir como ela era malvada.
Então eu gritei com ela.

Fui dormir naquela noite sabendo que abraço não mata e que sou adotado.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Quando o céu se abriu
Saiu de dentro um sorriso,
com o sorriso uma verdade,
com a verdade uma menina.

Menina pequena
com os dentes tortos
Sorriso aberto,
coração coberto.

Abriu-me a mão
deu-me uma estrela
uma risada abafada
uma chave entortada

sábado, 26 de julho de 2008

O gato, o rato e a morte

Enquanto encarava os azulejos brancos, mas encardidos da parede em minha frente, pensava cada vez mais sobre Estella. Estava naquela posição há algum tempo e a cadeira de plástico rangia toda vez que batia o pé no chão Já era conhecida lá no hospital. Eu era a visitante do quarto 134, que aparecia todos os sábados vinte minutos antes do horário de visitas começar, só para poder sentar na mesma cadeira, na mesma posição, ouvir os mesmos barulhos e encarar a mesma parede suja.

Estella era paciente terminal já há algum tempo. A moribunda mais insistente que já conheci. Tinha um desejo incontrolável pela vida, e nunca desistia do sonho que, um dia, ia por os pés na rua de novo, mesmo sabendo que só vivia por estar ligada a máquinas. Estella era uma moça jovem, não merecia estar naquela posição, mas já estávamos conformados com a idéia.

Entrei no quarto 134 e lá estava ela. Encarando o teto, repetindo algo como "meu gato adoraria pegar essas andorinhas verdes". Sentei- me na poltrona, como de costume.

"Já fiquei sabendo" falei depois de algum tempo observando-a "finalmente..."
"É" ela respondeu com naturalidade sem tirar os olhos do teto "não aguento mais esses bichos daqui. Eles querem que eu vá embora, ficam me rodeando. Eu já estou aqui há muito tempo mesmo. Ficam me trazendo contratos para assinar, mas eu tinha prometido a mim mesma que só assinaria quando me trouxessem um que não estivesse amassado. Mas eu desisti. Ia demorar muito até o tal contrato vir, eles não tomam cuidado. Andorinhas! Contei-te do rato que apareceu em casa?"disse mudando de assunto.
"Não, que rato?"
"Entrou um rato na minha casa, mas ninguém conseguiu matar, nem mesmo Fofucho"

Depois disso veio um silêncio constrangedor, longo, denso e de um modo muito estranho, confortante. Após muito tempo Estella suspirou.

"Vão fazê-lo amanhã. Num domingo, meu dia favorito. Fui eu que escolhi a data."
"Legal, eu acho" estava sem respostas. Não sabia o que falar para alguém prestes a se despedir do mundo.

"É. Isso não é vida. Fiquei tempo demais sonhando." afirmou sem muita certeza. Eu queria concordar, mas achei melhor não. Então não disse nada. "Me faz um favor?" disse depois de uma longa pausa, "faça essas coisas para mim? Mas só depois da uma hora da tarde de amanhã." Pegou um papelzinho que estava embaixo do travesseiro e me entregou. Eu não disse nada, e só olhei o papel alguns segundo depois. "Não precisa me responder agora."

Ficamos lá por muito tempo. Conversamos bastante e percebi que as pessoas não mudam mesmo na véspera de suas mortes. Contou-me de Fofucho seu gato, o amor de sua vida e de como ela estava infeliz, sozinha. Assistimos a chuva cair na janela silenciosamente e segurei a sua mão, até que ela adormeceu.

Peguei um papel e uma caneta na minha bolsa e escrevi a resposta para o seu favor. "Adoto seu gato, mato seu rato e lamento muito a sua morte". Dei-lhe um beijo na testa, pus o papel perto do travesseiro. "Vou sentir falta de vir aqui te visitar. Meu sábados não vão mais ter sentido" era a única coisa que conseguia pensar. Saí do quarto, fechei a porta e não olhei mais para trás.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Um lembrete para uma aquela

Naufel, Faufel, Faufinha, Naufinha, Nau, Fau, Marina, Narina, Nini, Má, Mari, Faufanha, Faufuia, Faufete.

Não importa como, você sempre é a mesma besteira.

Não sei se eu já te disse isso o sulficiente... mas eu te agradeço por tudo!

Para quem entende

As amoras nunca pareceram tão bonitas no alto das árvores do bosque. O luar cobre as formigas que sonham com o novo dia. A madrugada está fria e sem prazer. A lua preguiçosa que não se apressa em se esconder me preocupa.
Tudo me preocupa.
No escuro que me envolve, sinto frio. Me sinto mal. Me sinto estranha. Me sinto como um nada.
Vejo ao longe na minha imaginação estragada, aquilo que um dia chamei de alma.
Ela grita por socorro, mas ninguém a percebe. Tento correr para salvá-la do sofrimento, mas tudo o que consigo fazer é estragar meus sapatos.
Hoje, quando digo que não tenho mais sombra, não digo nada além da verdade. Foi-se, sugada para algum lugar além da minha compreensão.
Me perguntam por que decidi viver assim. Eu não sei responder
Estou sentada na cama e o meu troféu dorme ao meu lado.
Sinto uma dor no peito e percebo que sangro verde.
Meu troféu ronca enquanto eu morro

sábado, 19 de julho de 2008

O homem que tinha medo de peixes

Havia um homem que tinha medo de peixes. Seu nome era Tag. Tag não sabia por que tinha medo de peixes. A sua cor indescritível, sua textura nojenta, seus olhos vermelhos de peixe morto - assim como seus olhos arregalados de peixe vivo - ou o seu horrível, horrível cheiro eram apenas pontos bônus na sua lista de "coisas assustadoras".
Tag não tinha amigos, inimigos ou namorada. Sua família - só - não se importava o bastante. Trabalhava na biblioteca local, mas estava pensando em se demitir - ele não gostava de sua chefe, " aquela mulher ridícula, que não sabe nem passar batom!"
Tag era um cara solitário.
Mas na sua casa grande demais para apenas uma pessoa, tinha um gato gordo, ruivo e cego de um olho. O seu nome era Hamster. Oh! Tag realmente amava Hamster! Ele o encontrou um dia, voltando do mercado. Ele estava perdido e sozinho. Foi amor a primeira vista, quer dizer, Tag amou o gato, e o gato amou a garrafa de leite que Tag estava carregando. (E se por acaso você está se perguntando, Tag pensou sim em comprar um hamster de verdade - bem antes dele conhecer Hamster, o gato - ou até mesmo um coelho, mas aquela coisa da gaiola o assustou um pouquinho, afinal, "o que é uma gaiola se não um aquário com buracos?".) Hamster, o gato, realmente achava que era uma hamster, o rato, e adorava correr na rodinha que Tag construiu para ele.
Tag era um cara diferente.
O cabelo de Tag combinava com o pelo de seu gato. Seus dentes, pés e nariz eram grandes demais para o seu corpo magrinho. A pele de seu rosto era coberta de espinhas grandes e vermelhas.
Tag era um cara estranho.
Quando Tag viu um peixe pela primeira vez na sua vida, tinha quatro anos. Ele chorou, ele gritou, ele ficou vermelho e ele desmaiou. Já na segunda tinha quase sete anos e ele chorou e ele gritou. Ele gritou até os seus pulmões desistirem de funcionar. Na terceira ele tinha nove anos, e ele gritou muito. Um grito doentio. Mas agora ele não gritava mais. Ou chorava. Ele só desmaiava. O que era bem mais silencioso.
Tag era um cara problemático.
Mas Tag gostava de sua vida. Ele sempre achou que seus pais podiam ter feito um trabalho melhor com o seu nome, mas isso era okay. Ele achava que a sua rotina fixa era confortável. E, tirando aquele negócio do peixe, Tag achava que era uma pessoa muito normal.
Ele não era.
Mas realmente achava que era.
Em um lindo dia, Tag chegou em casa as 6:18 pm, como normalmente chegava. Encontrou Hamster deitado de barriga para cima perto de sua rodinha, como normalmente encontrava. Ele tinha tido um dia normal. Tudo estava normal. Por isso Tag sentou em seu sofá e chorou. Como normalmente fazia.
Tag queria que tudo fosse perfeito, mas normal era o máximo que conseguia. Então ele chorava todos os dias. Mas ele era "feliz, deprimido não!", porque chorar sozinho no escuro todo santo dia, entre 6:20 e 6:24 pm, sentado ao lado de seu gato com problemas de identidade chamado Hamster, era comum. Não alcançar perfeição era comum também, e se era comum, Tag estava feliz.
Mas naquele dia, algo tinha mudado. Tudo estava normal e ele tinha acabado de chorar, então Tag percebeu que não queria mais aquilo. Tag queria mudar, e estava pronto para isso.
"Sem mais normalidades!"
No dia seguinte, Tag acordou cedo e foi para a loja de animais. Foi uma caminhada corajosa feita por um homem corajoso! O vento frio passando através de suas roupas, suas mãos congelando dentro dos bolsos de sua jaqueta, seu lábio inferior ficando roxo por causa do frio. E o sol mais quente da história nas suas costas. Tag exagerava bastante quando sob pressão. " É só comprar a comida do Hamster, olhar para um peixe ou dois, não desmaiar e ir trabalhar. Só isso! Eu consigo fazer isso." Ele sabia que podia fazer isso - mesmo achando que não podia. Ele achava que tinha o poder.
Ele entrou na loja como alguém normal - e esse era bom - pegou uma lata de comida de gato e caminhou até a "Parede de Aquários". A "Parede de Aquários" era completamente coberta com todos os tipos de aquários, com todos os tipos de peixes dentro deles. A mão de Tag suava, sua testa estava molhada, mas ele sabia que ele podia!
Ele parou na frente da "Parede de Aquários" com seus olhos fechados. Respirou fundo, contou até cinco, jurou para si mesmo que podia e abriu os olhos.
Tag não gostou do que viu. Ele pensou que sempre soube que nunca poderia fazer aquilo. Sua garganta fechou e a sua cara ficou vermelha. Ele não conseguia respirar, mas não ia fechar os olhos. Ele achou que talvez pudesse ter o poder para fazer aquilo. Afinal, por que não?
Tag contou até trinta com os seus olhos arregalados encarando a "Parede de Aquários", pagou pela comida do Hamster e foi para casa.
Aquela foi uma boa caminhada! O sol brilhava, as crianças brincavam! E ele tinha acabado de fazer aquilo. Agora Tag sabia que nunca teve dúvidas sobre a sua capacidade de fazer algo daquele tipo!
Agora ia para casa, dar a comida para o Hamster, ir até o seu trabalho e dizer para a sua chefe que ela era ridícula. E então ele ia se demitir, e.. e.. e ir até "um daqueles lugares nojentos onde as pessoas vão para beber - ou inalar - substâncias alcoólicas e pegar infecções por causa do pote de amendoim comunitário."
Tag não se demitiu, ou chamou a sua chefe de ridícula, pois seriam "muitas atitudes corajosas no mesmo dia". Mas ele pegou um infecção por causa do pote de amendoim comunitário.
Tag era um cara mudado.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Dança de Salão

Uma caixa de lenços. Uma caixa de lenços vazia. Foi tudo o que sobrou. De tudo. Uma caixa bem grandona, tamanho família, branca com florzinhas. Ela está vazia agora, e foi assim que as coisas acabaram.

Tudo começou quando ela me disse que não queria mais. Ela estava encostada no batente da porta do meu quarto, encarando a caixa de lenços como se quisesse queimá-la com a alma. Eu sentada na cama. A caixa ia fazendo "tec-tec" enquanto destacava a aba. As suas palavras horríveis e os meus "tec-tec". Era como uma música.
Ela terminou a sua frase enquanto, com muito esforço eu tirava o primeiro lenço da caixa. Tudo que se ouviu por um instante foi aquele barulho suave de quando se tira um lenço da caixa. Aquele barulho que parece uma onda. Uma chama cresceu em seu olhar.
 
Assoei meu nariz sem fazer barulho. Olhei para ela e disse "Por quê?". Seus olhos passaram a me encarar, mas com o mesmo fogo com que encaravam a caixa de lenço. Admito que fiquei com medo.
 
"Por que o quê?" A cara de surpresa que fazia era inédita. Ela realmente não sabia por que o quê.
"Como assim? Por que isso?" Peguei outro lenço.
"E você ainda pergunta!"
Eu sinceramente não achava nenhum absurdo querer saber por que, de uma hora para outra, ela exigia que eu parasse algo que eu não queria parar! Então eu disse isso para ela.
"Eu não vejo nenhum absurdo em querer saber por que" Peguei outro lenço.
"Você!" Seu dedo ossudo com a unha vermelha apontava em minha direção. Seus olhos queimavam com um fogo demoníaco. Ela guardou o dedo, respirou fundo e murmurou "não sabe de nada."
Aquilo me irritou muito. Quem ela pensava que era, para mandar em mim, não responder as minhas perguntas, ficar brava quando peço explicações e ainda brigar comigo! Só a minha mãe pode fazer isso. Tirei outro lenço da caixa.
"E você é incapaz."
"Do quê?" Seu olhar já era mais desafiador. Tinha os braços cruzados sobre a barriga, me olhava com raiva.
"De tudo! Você não consegue... Não sabe... Faz... Viu! Você é tão incapaz que espalha a sua incapacidade por onde vai, fazendo todos ao seu redor incapazes." Nem eu sabia mais o que estava tentando dizer, mas de acordo com a sua cara, o que saiu não foi bom. Usei outro lenço, e eles começavam a se amontoar do meu lado.
O que aconteceu depois ainda não me é claro. Houve uma longa sequência de palavrões, xingamentos, acenos, lágrimas, gritos e lenços usados.
Eu não entendi o que ela quis dizer com "E você então!" depois que listei todos os seus defeitos, contando-os nos dedos.
E eu me lembro que gritava. Muito. Não sei bem o que, mas bem alto. Ela também. Tentava gritar mais alto do que eu. Talvez vice-versa, mas não tenho certeza.
A grande gritaria acabou com um silêncio súbito. Ela encarava o teto, eu o chão. As duas limpavam o nariz vagarosamente com o lenço. As duas estavam mais leves agora, depois de terem gritado todas as mágoas de uma vida inteira.
"Eu não vou parar as aulas de dança de salão!"
Ela saiu e disse "então encontre uma nova melhor amiga."

Então usei a última folha de lenço de papel. E acabei com uma caixa de lenço. Vazia
(Ganhador do 3º lugar na Jornada Literária 2008 do Colégio Rainha da Paz, categoria Crônica)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Essa é para as melhores amigas...

Elas eram quatro. Quatro meninas completamente diferentes umas das outras. Não se suportavam. Eram prisioneiras voluntárias de uma amizade sem sentido.
Tinham interesses completamente diferentes. Vidas com rumos distintos. Enquanto uma gostava de rosa, a outra preferia amarelo. As outras duas viviam discutindo sobre o verde e o azul. Não era uma amizade baseada em gostos parecidos, isso eu tenho certeza.
Essas melhores amigas também não compartilhavam todos os seus sentimentos e segredos. Tampouco tinham o que conversar. Deixavam de contar segredos com medo da reação das outras amigas. A falta de compreensão mata!
Raramente estavam todas juntas. Era muito difícil achar datas e programas para a felicidade de todas.
Até mesmo nas amizades paralelas elas não concordavam. Era muito difícil achar uma pessoa que todas gostassem igualmente.
Mas mesmo assim, juravam amizade eterna, e - o mais importante - acreditavam nessas juras. Sabiam que não era impossível viver uma vida inteira com as mesmas melhores amigas. É um pouco difícil, mas a amizade delas já se mostrava especial o bastante para sustentar estes sonhos.
Elas eram felizes juntas. E quando se encontravam, mesmo se brigavam, ou se desentendiam, uma delas se divertia mais do que em qualquer outro momento de sua vida.
E para esta mesma menina, as quatro tinham o exemplo de uma amizade perfeita. Elas superavam qualquer tipo de briga, ou diferença, ou insegurança. E sempre estavam prontas para apoiar umas as outras em um momento de crise.
E afinal, numa amizade não há regras, mas amor e fidelidade, e isso nós temos de sobra!
Amo vocês meninas!
(Desculpe-me pelos clichês, e obrigado pela paciência! Eu sei que eu sou um pé no saco...)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Parecia que a minha canção favorita era sobre um sanduíche

Era uma garota muito engraçada, se você quer saber o que eu penso. Sempre passava na frente da minha janela, como quem não anda, mas desliza. Mantinha sempre o nariz empinado enquanto passeava com o seu cachorro babão para cima e para baixo, porém sua expressão era sempre muito humilde ou serena, se assim lhe serve.
Tinha cabelos laranja que brilhavam com os raios de sol do meio da tarde. Seus olhos verdes que nunca olhavam para baixo, estavam sempre parecendo procurar algo no horizonte. Sua pele clara em contraste que com os vestidos azul-marinho - estava sempre de azul marinho.
Era a coisa mais inexplicável que eu já senti.
Toda vez que ela aparecia na minha janela, eu me sentia como a pior pessoa de todos os tempos. Aqueles dez segundos em que ela passava pela minha janela eram os únicos momentos do dia em que eu tinha desejos suicidas. E mesmo que eu não olhasse para a janela enquanto ela estava passando, só de imaginar que ela estava do lado de fora, minha razão desmoronava.
Era uma perfeição malvada, aquela que ela tinha, que se espalhava por todos os lados, e me fazia querer correr até ela e roubar qualquer tipo de, de... Eu ainda não descobri o que ela tinha e que eu queria. Mas uma coisa eu lhe asseguro, eu não queria me matar por inveja.
Eu não tinha inveja do seu jardim que sempre parecia estar mais bonito, enquanto o meu apodrecia lentamente. Ou por causa do seu cabelo laranja que estava sempre tão perfeitamente arrumado em uma trança única que não se mexia enquanto ela andava. Ou por causa do seu cachorro que obedecia ao seu sussurro, ou por causa das suas roupas sempre perfeitamente engomadas, ou por causa do seu olhar que mostrava frieza e calor ao mesmo tempo, sem nenhum esforço.
Por mais descontrolada ela me fazia sentir, nada disso era o problema real.
Não.
A garota de cabelos laranja me trouxe um novo mundo, onde tudo que eu acreditava ser possível não existia. Ela literalmente acabou com o meu mundo, e toda vez que passava pela minha janela, me fazia lembrar de como eu era boba em realmente acreditar que vacas podem voar, e que tudo que elas precisam fazer para isso é pensar positivo.
Toda vez que a garota dos cabelos laranja passava pela minha janela com o seu cachorro babão, eu sentia como minha canção favorita fosse sobre um sanduíche.

No fim do outro começo

Tudo que termina é temido.
Não há exceções. O fim é doloroso, perigoso. Traz a insegurança do novo começo, do novo caminho e das novas maneiras de pensar. O fim é aquilo que acaba com todas a esperanças de consertar todos os erros do caminho já percorrido. Mas o começo - ou melhor, recomeço - é o fracasso.
Todo fim que chega traz a crua verdade sobre a incapacidade humana em acertar de primeira. E no fundo, no fundo, é isso que mais dói. A verdade clara, na nossa frente, sem vergonha de se mostrar. A verdade que traz vergonha. A vergonha que traz medo.
Mas depois de todos os finais dolorosos e incompreensíveis, há sempre um começo e um meio, que podem significar a segunda chance, o perdão pelo primeiro erro.
Mas as correções nunca são feitas.
Não.
E então quando o fim do novo começo chega, o fracasso se duplica, o medo nos persegue, e a vida, bom a vida nos assusta, já que com começos ou finais, ela está sempre a mesma - inabalável - rosa escarlate.
Então, aqui em um outro fim de um novo começo, já sabendo que a próxima sensação de fracasso se aproxima, a única coisa que posso fazer, é sentar e chorar.