quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Amor perfeito

A tarde hesita do lado de fora da casa. O sol domina a tarde, as árvores balançam com uma brisa que não me alcança, as sombras derretidas se deitam nas calçadas. Aqui dentro, o silêncio estrondoso perturba a ordem de meus pensamentos. A tua ausência basta para enlouquecer-me. E logo se forma diante da vista um manto de poeira e solidão. Cega-me. Entope o coração e inunda a alma de mágoas solidificadas. Pesa-me. E então sufoca-me. Mas logo me curo, assim que vejo seu corpo esguio passar pelo portão enferrujado. 

Afaga o cachorro, liga a tv. Olha-me com estes teus olhos sombrios: pena e afeto. Acalenta meus medos com apenas esse toque de simpatia e alecrim. Compreende meus defeitos - eu sei, aceita as imperfeições deste corpo e desta alma. Então fala-me. Tons graves e reais; recheiam a casa e a vida de significados. 

Olha-me de novo. Toca-me de novo, a mão quente em meu corpo vazio. Ama-me de novo. Amor calado, pesado, bem sei, pois tem em seu rosto aquela harmonia sóbria de quem sente o que é desumano e desmedido. 
Logo ama-me tanto que me pesa no pulmão uma névoa branca-quase-suja. Sufoca-me. Enlouquecida, evito seu olhar, seu cheiro, seu estar comigo. 

Percebe-me e ofende-se. Abandona-me discretamente. De novo, tua ausência infesta o ar e azeda a existência. Chamo, suplicante, arrependida. 

Atende-me. Volta e me olha, minhas cores e meus tons. Perdoa-me, e por amar-me, logo me deixa estar de novo na minha irrealidade.

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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana