sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O pior som da música

A montagem brasileira do musical A Noviça Rebelde, ainda em cartaz, já levou milhares de pessoas às salas de teatro do Rio de Janeiro e São Paulo. Adaptado do filme de 1965 (de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II) a peça remonta com fidelidade a história de Maria Reiner, ex-noviça, ao se tornar babá das sete crianças Von Trapp e se envolver na história de amor mais sincera de todas. O filme é deveras lindo, um dos meus favoritos de todos os tempos. Quem poderia esquecer, afinal, a graça de Julie Andrews no papel de Maria, sua harmonia com a personagem e – claro – a sua voz que traz às canções a paixão necessária. Julie, por si só, é o principal motivo do sucesso do filme, e nunca pensei que algo fosse capaz de estragá-lo. Até assistir a peça brasileira. Já sabemos que nada bom vem de adaptações, apenas talvez, quando estas juntam os originais com elementos exteriores, e conseguem criar uma coisa completamente nova. Então, podem até ser boas. O próprio filme é um bom exemplo, pois foi adaptado da peça da Broadway, que por sua vez foi baseada na vida real de Maria Reiner e Georg Von Trapp. Mas a montagem atual, bom, esta não se passa de uma adaptação mal sucedida mesmo...

Comecemos pelo começo: as músicas. Rodgers e Hammerstein fizeram um ótimo trabalho ao escrevê-las, e Charles Möeller e Cláudio Botelho fizeram um trabalho completo ao acabarem com toda a sua magia. Por todo o espetáculo, paira no ar uma forte impressão de que o Google Translator foi hiper utilizado. Por exemplo, na música “Maria”, que contém o verso “cabeça de vento/ biruta lelé/ tãn-tãn” TÃN-TÃN? Jura que não há nada melhor do que tãn-tãn? Ou então durante a “Dó-Ré-Mi”, conhecida e adorada por tantos, em que se podem encontrar coisas como “Lá é lá no cafundó.” E estes são apenas dois pequenos exemplos, não vou nem comentar como “Edelweis” teve o seu propósito e sensibilidade destruídos com a atuação de Saulo Vasconcelos.

Lembram-se quando falei de Julie Andrews, de sua graça, harmonia e quase perfeição? Pois então, Kiara Sasso não tem nada disso. Respeito muito a profissão de atores, principalmente atores de teatro que devem cantar, e apesar de todo o seu sucesso em O Fantasma da Ópera e A Bela e a Fera, não acertou com Maria. O tom nasal que incorpora nas músicas, junto com a sua irritante mania dze pronunziar zes em todaz az palávraz que não zão ezcritaz com zes, como se estivesse brincando de pick-a-boo com uma criança de um ano e meio o tempo todo, trazem apenas desonra para Julie Andrews. Ah, sim, para a verdadeira Maria Von Trapp também... Isso mesmo, Von Trapp, e não Fon Tráppi, como todos insistem em dizer o tempo todo.

Uma última observação. Na montagem brasileira, assim com na de Broadway, a Baronesa Schraeder e o Tio Max cantam. Têm duas ou três musicas que expressam suas superficialidade e ganância. No filme, porém, eles não cantam. O que é ótimo, pois parece trazer um argumento a mais – e bem importante – para justificar o amor e casamento de Maria e Georg. Afinal, ela trouxe de volta a musica para a vida dele, fez ressurgir a sensibilidade que há muito se escondera. Os dois juntos, mais os sete filhos, são a Família de cantores Von Trapp. Se a Baronesa canta, ela pode fazer parte da família, e tudo o que resta para tentar juntar Maria e Georg é o amor puro, e este não tem a menor graça. É errado fazer a Baronesa cantar, se a não-cantoria dela faz muito mais sentido.

Como já devo ter dito antes, A Noviça Rebelde é um dos meus filmes favoritos. Devo ter o assistido umas nove vezes e meia, o que dá em torno de 28 horas de minha vida. Isso pode ter interferido na construção de minha opinião sobre a peça, é verdade, mas mesmo assim foi completamente insatisfatório.  

2 comentários:

  1. estou lembrando da rory criticando aquela bailarina gordinha
    you're sharp, kid.
    gostei :D

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  2. Caríssima Júlia,

    Assisti A Noviça Rebelde no final de semana passado e confesso que gostei muito. Resolvi então procurar resenhas e textos sobre a montagem para encaminhar aos amigos. Me deparei com o seu texto e, confesso, ele me fez repensar minha avaliação. Ao ler seus comentários sobre o filme lembrei que passei a peça toda tentando recordar das cenas do filme para compará-las mentalmente ao que assistia. Ocorre que, ao contrário de você, assisti ao filme apenas uma vez, que foi o suficiente para ter uma sensação de alegria sempre que me deparo com alguma imagem, texto ou músicas que fizeram parte da trama original.
    Creio que foi essa lembrança que me fez gostar da peça e não a montagem em si. Acho que apesar das gafes, tão bem apontadas por você, a mensagem de alegria e esperança que o filme passa tão bem se manteve na peça. Ou será que novamente estou sendo tomado pela lembrança do filme e embaralhando as coisas?
    Enfim, adaptações tendem a ser perigosas com relação a filmes, peças de teatro, textos e músicas.
    Agradeço pelo seu texto tão coerente, embora tomado pelo fato de ter gasto 28 horas da sua vida assistindo ao filme.
    Visitarei seu blog em outras oportunidades.

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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana