Seu rosto espinhoso se alongava em frente ao espelho comprido. Seu cabelo oleoso se formava como se duas grandes ondas em sua testa, grudadas às orelhas. O Sol do fim da tarde batia em seu rosto, fazendo seus dentes amarelados quase bonitos. Mas não se importava agora com qual aparência estava, já que projetos de lágrimas se acumulavam densas nas beiradas de seus olhos. Importava-se bastante, porém, com o tom exageradamente vermelho que o seu nariz assumira nos últimos segundos, acompanhando a marca ridícula que se formava ao redor de sua boca, igualmente vermelha como um batom mal passado, sempre que ameaçava chover. Seus lábios pareciam inchados, e seus olhos, menores. Sentada na cama, a certa distância do espelho, observava seu corpo dobrado, assustada com a estupidez da situação. A porta fechada dava-lhe a segurança para chorar os prantos que lhe viessem em segredo, mas a cabeça vazia não permitia pressa. As lágrimas presas sequer molhavam seus curtos cílios, e o nariz que fungava também não mostrava mais do que um blefe. Lembrava, sim, qual era o motivo pelo o qual deveria estar se acabando em prantos naquele exato momento, mas não conseguia mais sentir o motivo empurrando-lhe as dores para fora. Então encarava o espelho como se pudesse reviver com os próprios olhos vermelhos os momentos anteriores, para talvez, com alguma força extra, pudesse chorar de uma vez e acabar com tudo aquilo. Olhava para o rodapé encardido, uma grossa camada de poeira o encobria, e pensava na frustração que seria ter de caminhar daquele quarto, sorrateiramente, com o nariz e boca marcados com provas da tristeza, mas sem ter derramado nenhuma lágrima sequer. Passeava o olhar perdido pelo quarto, procurando algum passatempo para mantê-la trancada ali – vai que a sensação volta – e encontrou pendurado na porta do guarda-roupa, como sempre, algo que sem querer lhe interessou. Não havia nada de diferente, mas tomada pela sensação de vingança que subitamente substituira a tristeza, sentiu seu sangue subir ao rosto e enrubescer as bochechas enquanto encarava o que não se passava do colar favorito da outra. Presente seu, em alguma data comemorativa que já não se lembrava mais qual era, o colar colorido já havia sido visto muitas e muitas vezes pendurado no pescoço da outra. Queria vingança? Sim, mas não sabia que era isso que aquecia seu corpo e empalidecia o nariz até o seu normal. Pois se lembrava muito bem – e como havia de esquecer – dos longos dias que passavam no silêncio que tomava conta de todos os cômodos da casa, sugando todo o ar saudável do ambiente e transformando as mais longas tardes em puros momentos de tortura. Poderia haver palavras, se quisesse, mas seriam todas devolvidas com um tom afiado que lhe machucaria mais. O silêncio era apenas asfixiante, as palavras eram golpes de adagas nas mãos desprotegidas. E por mais que lhe implorasse uma explicação, sabia que não lhe seria direta, apenas um olhar torto que a faria se questionar, talvez, para sempre – era aquilo, afinal, sua culpa? Não poderia ser, e esta sua negação desesperada parecia-lhe tão ridícula que a fazia acreditar que sim, ela causara aquilo. E sua insensibilidade era, inclusive, tanta, que não conseguia nem perceber o quanto era culpada. Perguntava-se, confusa, se deveria implorar-lhe perdão e misericórdia. Os dias se passavam engolindo saliva seca, tomando a coragem para o contato direto e uma resposta inimaginável. Mas, trancara-se no quarto. E começavam a surgir pensamentos controversos, que questionavam a própria certeza incerta que lhe palpitava no coração. Sabia que não era insensível. Sabia que não poderia ser sua a culpa de tão súbita crise. Afinal, não tinha nem a força em seus ossos para causar problemas tão grandes. Era pequena, sim, de mente e de alma. Fraca para os parâmetros por si estabelecidos para sua motivação e comparação. Não era competitiva, só queria ser maior do que o mundo. E naquele momento, enclausurada opcionalmente, não sabia mais se poderia ser maior do que o mundo. A dúvida incessante que lhe martelava a moral e a fazia questionar de si ou da outra o tempo todo, cansava-a. Não queria mais essa vida de incertezas e sufocamentos. Não. Segurava com as mãos meladas as miçangas coloridas do colar da outra. O suor de suas mãos não era nervoso, mas tirava do corpo o excesso de raiva que se formara lá dentro. Era demais para tal corpo frágil. O rosto agora ainda mais pálido do que o normal guardava o olhar intenso que procurava inconscientemente no quarto fechado alguma forma cruel de vingança. Inconseqüente se sentia, e a fazia bem. A janela aberta foi o último lugar para o qual olhou. Estavam a muitos metros de altura, e com um pouco da força que sabia que poderia encontrar em si na hora certa, poderia jogar o precioso objeto para a rua que se estendia na frente do prédio velho. Não haveria evidências, restos, sujeira. Era apenas jogar. Pôs se de pé em frente ao espelho, não duvidou da força física, não pensou na negligência. Na frente da janela, com o Sol banhando-lhe o torso e cabelos compridos, e esperando ainda para aquela força a encontrar, esmagou o colar em suas mãos agora também geladas. Não a machucou, não o danificou. Demorou-se em frente à janela aberta, olhando para os carros que lá embaixo passavam em alta velocidade. A vingança parecia-lhe injustificável, mas necessária. Aquela dúvida a perturbava há dias agora e o silêncio formou-se como um bloqueio em uma garganta. Precisava de um barulho, provar-lhe que sim, ainda ouvia, uma interrupção à tortura discreta. Não seria exagero, certo, querer acabar com o questionamento que a maltratava. Mas ainda estava, porém, com o colar preso em sua mão, a força não havia a alcançado e as dúvidas aumentavam e mudavam de forma, enquanto a velha certeza se desmanchava e uma decisão precisava ser feita. Sabia agora, com certeza, que seria em demasia exagerado, mas já estava na metade do caminho. Os colares pendurados na maçaneta da porta balançavam naturalmente enquanto ela se observava no espelho, suas maçãs do rosto rosadas, olhos secos e brilhantes.
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Mário Quintana