sábado, 13 de fevereiro de 2010

Declaração

"Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso." Clarice Lispector

Vê-me hoje com o coração sangrento escapando pela garganta como um grito desesperado que ninguém ouve? Talvez nem veja. Mas tenho sim, raspando em minhas cordas vocais o silêncio libertador de gigantescas pressões. Sinto-me oca. Ultimamente as coisas têm me parecido opacas, não há cores no meu mundo. Os sons são todos estridentes e irritantes, as formas indefinidas bailam. As coisas passam por mim, afiadas, e eu apenas assisto. Não dói, tampouco satisfaz. Encontro-me sentada diante da vida, em uma cadeira bamba de plástico, enquanto os fatos - e os outros - dançam ao meu alcance, pulam na minha frente, tocam os meus cabelos e sussurram palavras no meu ouvido. Mas mesmo assim, meu peito se mantém vazio e triste, olhos secos quase transbordam de tristezas e nada mais, a pele continua fria mesmo com um toque carinhoso; minha alma superficialmente arranhada não é o bastante para fazer destes simples momentos, uma vida. As coisas são apenas - nada se destaca, nada se fixa, nada me marca. É cansativo estar neste constante e impassível movimento.

Sinto-me insatisfeita. Insaciada. Inacabada. Preciso ser, preciso ter, preciso estar, porém não quero nada. Já não sei mais medir até onde a culpa é minha e a partir de onde a responsabilidade é dos outros. Pareço me afastar acidentalmente sem nunca me esforçar para parar, mas também não vejo ninguém se esticar ao meu resgate. Talvez esteja tudo bem assim - faço mais esforço para poder ficar sozinha do que para estar com outros, e os outros fingem que não vêem. Aproximo-me da minha verdade, por mais inventada que esta seja, e sei onde me esconder. É confortável. Só tenho tido alguns problemas em me desprender depois, é cada vez mais difícil voltar – mas com um pouco de concentração tudo dá certo. Sorrio para o espelho para suprir a simpatia que falta nos outros. Converso com paredes pois pelo menos elas não me responderão. Guardo o que sei que existe na memória, e torço para que esta esteja lá na manhã seguinte. Há pedaços de alma faltando em mim, eu sinto, e não sei se eu os perdi ou se apenas não cresceram ao mesmo passo de minha consciência. Me pergunto se um dia, pelo menos, eles estarão aqui. Tenho a impressão de ser sonhadora demais, minhas expressões já são até apáticas, e isso machuca. Além do mais, pois sei que meus sonhos não são em tudo impossíveis, mas mesmo assim não se realizarão. Preciso aprender a me prender no chão, ou talvez aos outros, e experimentar um pouco do convívio livre e opcional. Preciso largar de minha solidão acomodada.

Sinto-me perdida no tempo. Ou será que é o tempo que se perde em mim? Não sei – existem várias coisas de que não sei, e que me esperam com respostas a apenas alguns passos adiante. Mas não vou. Não me arrisco. Tenho medo do que pode estar em meu caminho; sinto culpa por me prender tão determinadamente neste lugar em que estou e desistir simplesmente de tudo o que há a frente; temo pela fraca alma que se preenche de culpa, um pouco mais a cada dia que passa, indefesa e confusa. Tenho medo da culpa, meu deus, por esta nem mesmo eu esperava! Me pego de vez em quando, me perguntando se o futuro é obrigatório. Ou obrigatoriamente incerto – é disso que não gosto. Por que, afinal, não posso eu determinar o que quero de minha vida, com as datas marcadas e nenhuma previsão de atraso, e simplesmente ser enquanto os planejamentos se esgotam e se reconstroem. Por que não posso eu, esquecer de pensar do presente como um instante fugidio e traidor, e do futuro como este algo que se estende por além da vista. Tenho preguiça de ser, fazer, querer, mas principalmente, ir. Devo mesmo ir? Me falaram uma vez que qualquer caminho é melhor quando se tem companhia. Como farei então, se me agarrei apaixonadamente à solidão e me obrigo a simplesmente conviver? O que fazer se não consigo me justificar e, quem sabe, me consertar? Não sei mais me localizar nos dias e meses – já que nada se fixa, nada se prova. Terá o tempo de fato passado? – quem me garante?, afinal eu não me lembro.

Não sei o que me espera mais adiante, mas continuo andando em frente, e meu coração palpitante implora pela solidão diária. Procuro em mim o que não há nos outros, me satisfaço com seja lá o que encontro, pesa-me na consciência ignorar as falhas que deveras existem. As árvores farfalham ao meu passo solitário, meu andar rápido me afasta de qualquer companhia. Penso, imagino, crio. E nunca lhe direi nada. Prefiro o meu silêncio ordinário às muitas explicações que a verdade me obrigaria a inventar. E ainda posso escrever com palavras minhas mesmo, tudo o que você não vê.

É assim que sou.

Espero que seja apenas uma fase.

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Mário Quintana