Acima de qualquer incomodo que sentia, o que mais lhe doía era esta falta de liberdade para sonhar – pois agora sabia como poderia lhe ser perigoso. Era por isso que o seu coração cansado, suspirava. Mas ela sabia que um dia – distante, é verdade – algo ou alguém a levaria para outro lugar. Bem sabia também que neste lugar as rosas seriam mais vivas e a neblina não traria medo. É claro que estava errada – e tão cega que não percebia o quão errada estava. E continuava errando: sonhava clandestinamente, apenas pela graça de poder esperar por algo mais durante todas aquelas longas horas que a consumiam. Incomodava-se com o erro desconhecido e pulsante que a envergonhava e confundia sem deixar nenhum espaço para a compaixão. E assim, continuava sem entender porque uma ou outra lágrima escorria de seus olhos, mostrando para o mundo que ela – também – mantinha guardado dentro de si todos os enganos inexplicados que lhe acompanhavam a vida inteira. Mas ela acreditava, por mais que sem tantas esperanças, em uma calma que viria tirá-la daquele mundo horrível; era deveras cruel viver uma vida como aquela. Não sabia ainda, porém, o quanto é comum sentir arder esta bagunça de milhares de sensações dentro do peito que acha que tem a obrigação de esconder-se ao máximo. De quem? De todos aqueles que sentem as mesmas coisas, quase todos os dias, mas também fingem que não. Tudo isso lhe era em demasia incompreensível, pois ela, como já disse algumas vezes antes, viveu sua vida submersa em um mundo próprio e fantástico, que a deixava acima de qualquer sensação vã que a simples alma mortal é criada para sentir. Ora, desculpe-me pela confusão que posso estar fazendo, devo dizer isso direito: sua própria vida despiu-a de armas e a jogou aos lobos. Começava agora a sentir a dor aguda e penetrante das verdades mais afiadas no corpo sem mais nenhuma proteção, um a um, os golpes selvagens que lhe rasgavam a pele e a faziam sangrar, sangue puro demais para ser exposto. Não lutava, porém, tampouco revidava...
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Mário Quintana