domingo, 30 de maio de 2010

Satisfação

Quando se lembrava da grama que roçava em seu pescoço, estremecia. E sentia alguma coisa balançar em si, na altura de seu estômago - um pouco mais acima, na verdade - algo que já havia sentido antes, inchado, pesado, prestes a estourar.
Levantou-se. Sorria. Suas bochechas coravam. Amava, sabia. 
Amava aquele algo novo que pulsava dentro de seu peito, com um tique um tanto nervoso mais que a certificava que ainda existia. 
Amava as palavras que agora saiam de sua boca, criadas pela sua própria imaginação, sem nenhum controle ou aviso prévio - tudo em si era imprevisível. Mas depois de tantas idas e vindas em si, sabia já o que havia de amar e o que se podia muito bem desprezar ou até ignorar. E aquilo - ah, sim! aquilo podia amar, com bastante ternura.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O dia em que a noite não veio - special preview

Talvez deva lhe explicar algumas coisinhas antes. Bom para quem não reconheceu o título da postagem, o texto a seguir saiu do livro que ainda (sim, eu sei, ainda) está em construção. Há muito tempo, vêm me cobrando spoilers e justificativas, e sempre as contornei com respostas vagas e envergonhadas. Porém, aqui está: a primeiríssima parte do livro.


Que o leitor já me perdoe, há certa urgência que não pode ser evitada e/ou ignorada. O caso é grave.

O que lerá nas próximas páginas não é um relato autobiográfico, tão pouco uma leitura relaxante; é uma história um tanto turbulenta cheia das mais puras verdades do mundo. Talvez nossos mundos sejam diferentes por causa de nossas companhias, entende o que digo? Perceba que você tem pessoas ao seu redor, de propósito ou sem querer, que lhe conhecem ou não, que importam ou não. Mas que são pessoas do mesmo pão, do mesmo vinho, com mentes tão perturbadas e dúvidas tão confusas quanto as suas. Eu, por minha vez, tenho Yolanda. Logo verá o que isso significa.

Meu dever é na verdade simples, mas a protagonista ainda é modesta demais para fazê-lo. Devo contar-lhe algo antigo, já há muito esquecido, mas foi violentamente relembrado pelos famosos truques do bendito tempo impiedoso. A memória já nos incomoda demais, e torná-la pública é o melhor que podemos fazer. O que nos amedronta é, na verdade, a quietude – nela não há compaixão. Somos muito medrosas leitor, Yolanda e eu, retrocedemos à irracionalidade do medo, e nos apavoramos mais e mais enquanto as nossas lembranças nos confundem e enganam, enfim indo embora, insensíveis. É daí que vem toda a urgência e aflição que aumentam a cada dia que passa. Parece-me ainda que o tempo tem passado mais rápido do que de costume, engolindo as horas e dias inteiros, como se nunca nem tivessem existido. Por exemplo, olho de relance a janela aberta à minha frente e percebo que já escurece. Sentei-me aqui no fim da manhã para organizar esta escrita. Mas um dia se foi, incontrolável e ligeiro, e nem percebi suas horas passarem. Estamos no fim de agosto, mas ainda me lembro dos sabores da ceia do Natal passado como se tivesse sido ontem. As horas correm, os dias acabam e nossas lembranças não têm nem tempo para se renovar. Sufocadas, perdem-se e misturam-se. Por isso devemos contar esta história, a tinta, para que ela possa existir na memória de outros também, além de indefinitamente gravada em folhas de papel.

Mas me encontro como escritora acidental, e lhe escrevo pois é necessário. E em um único suspiro sincero, confesso que não nasci para palavras. A caneta hesita muito entre os meus dedos e as linhas no papel parecem vacilar – não sinto queimar dentro de mim o espírito escritor que lhe dará grandes quantidades de criatividade e encanto. Não faço arte com as palavras; eu formo frases. Singela organização das palavras mais simples na sua forma mais racional. Posso prometer-lhe horas passadas, nostalgia e verdades resmungonas. Como sempre fui muito pequena para as sensações e grande demais para observações, ofereço-lhe fatos. Apenas fatos. Mas não se aborreça, leitor. A história verdadeira, a que deverá pulsar em suas veias, é algo que deve formar-se apenas em ti – somente os fatos lhe são necessários para isso.

Pergunta-me, e com razão, por que aceitei essa obrigação de contar-lhe essa história, se desde já conheço a confusão e o provável desgosto do pobre leitor. Respondo sinceramente: por mais que não entenda a minha narração perturbada, farei Yolanda imortal em minhas palavras. Garanto-lhe que pelo menos isso vale a pena.

E enquanto hesita em virar a página, eu hesito em começar a escrever o primeiro capítulo, e Yolanda espera impaciente para ser lida e analisada. Mas respiro fundo enquanto as próximas frases se formam em minha cabeça, Yolanda sentada ao meu lado batuca na mesa, a caneta parece se mexer sozinha entre meus dedos nervosos, e agora começo a ficar mais tranquila, pois talvez escrever fique mais fácil ao longo das páginas. Talvez. Vejamos, pois começo agora a me lembrar da primeira vez que nos vimos e quando toda essa, permita-me chamar de loucura, começou.

Sinto já a necessidade insana de escrever correndo por entre meu corpo, minhas rígidas mãos estão livres de mim – é verdade o que dizem, é uma boa sensação. Não se perturbe mais com a minha ansiedade vazia, já sei o que fazer. Prepare-se, pois seu mundo vai girar.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Reparando atrasos

Eu acredito que existe um motivo para tudo. Às vezes explícito e às vezes camuflado nas entrelinhas dos acontecimentos corriqueiros, mas ele sempre existe. Portanto, criei este blog por um motivo. Não apenas para ter um espaço de publicação desses meus escritos tortos e por vezes impertinentes. Não, não. Sofri, antes de tudo, as influências de uma pessoa muito querida, que quando se tornou blogueira, abriu um novo tópico de conversa – e praticamente um novo mundo – para todo mundo lá em casa. Depois de quase um ano e meio, percebo que nenhuma vez mencionei tal pessoa, e acho que é hora de reparar essa grande falha.

Pois imagine então que eu, nos meus poucos sete anos, a vi entrar na minha vida. Do pouco que me lembro, vem logo a memória de um fim de tarde escuro, minha irmã na sua disposição costumeira, já fazendo conversa e piadas com referências que eu absolutamente não entendia, enquanto meu pai radiava com o brilho de mil sóis. Sempre fui garota de muita vergonha e poucas palavras, e pelo o que me lembro daquela noite, quase não estabeleci contato. Claro, tudo correu bem, e sabíamos então que havia uma nova pessoa em nossas vidas. Mesmo assim, durante algum tempo ainda não a chamava pelo nome e não sentava ao seu lado no sofá, nem mesmo nas longas tardes que passávamos desenhando. Houve um dia, porém, em que toda a família passeava, e ao atravessar a rua, ela segurou a minha mão. Simples reflexo, talvez, ou então uma genuína intenção de auxílio. Não sei, só sei que foi o bastante para terminar de me conquistar.

Pouco tempo depois disso, já não via nenhum problema em contar aos outros as histórias que ‘a namorada do meu pai’ havia me contado. E quando passei a empregar o termo ‘madrasta’ de uma vez, tive que suportar as controvérsias e piadas – afinal, boadrasta caberia melhor. Logo, toda a sua família também passou a ser, em certo grau, minha. Claro, as relações são complicadas para se explicar a terceiros, mas no final todo o esforço vale à pena.

Eu cresci. Ela também. Eu mudei. Ela também. Mas ainda a vejo como uma das pessoas que mais influencia minha vida – sem ela, não haveria paixão por Clarice, bolsas de pano, livros infantis, blog, suco de carambola... Uma boa parte de mim ainda estaria adormecida.

E para quem quiser conhecer um pouco mais desta de quem falo, estão a seguir os links para alguns de seus blogs, que tanto fizeram mudar a dinâmica  familiar e as conversas na hora do jantar.





Te adoro querida, e obrigada por tudo.