domingo, 2 de novembro de 2008

No Parque

E elas meditam.

Talvez não exatamente isso, coisa parecida. Estão sentadas no parque, sentindo a grama pinicar os seus dedos, olhando para o menino sentado no banco à frente, batalhando com o picolé que derretia sob o sol quente. Estão ali há algum tempo já, observando o movimento e as pessoas, sem se mexer, sem pensar, sem falar. Sem pensar, eu digo, pois não fazem qualquer sinal de gozação ou bom humor. Estão apenas ali, sentadas as duas, cada uma com a sua vida.

Uma delas é feia. Usa óculos grosseiros e redondos, tem o nariz todo marcado de cravos e espinhas, seu cabelo é bagunçado e volumoso. Seu sorriso é bonito, porém. Tão bonito, aliás, que compensa por todos os outros defeitos fisiológicos que a garota tem. Até seus olhos tortos são desculpados por causa deste seu sorriso.

A outra, é claro, é linda. Olhos grandes atraem toda a atenção, e combinam com o formato do seu nariz e com a cor de seu cabelo. Os raios do sol fazem com que mexas mais ruivas aparecessem, fazendo com que o tom castanho claro de seu cabelo mude. Seu sorriso é bonito também, mas não tanto quanto o resto do seu rosto.

E era disso que a feia se gabava toda vez que as duas brigavam por qualquer motivo que fosse. Ter o sorriso mais bonito do que o da amiga a fazia sentir as nuvens tocar os pés. Ter o sorriso normal, enquanto o da amiga era lindo não fazia nenhuma diferença na vida da outra. A feia vivia dentro de um mundo de insegurança e baixa-auto estima, enquanto a outra - que depois de muitos anos perdeu a paciência para essas coisas - não se importava nem um pouco, mas mentia descaradamente para a amiga, confortando-a do jeito mais superficial e invejado do mundo. E assim levavam a vida. A feia chorava, a bonita lhe dava os ombros, mas fingia que não.

As duas já estavam sentadas no parque há pouco tempo, e aquela sensação de ansiedade e carência apertam no coração da feia. Ela olha para a amiga, que observa os meninos jogando futebol.

"Seja sincera agora." disse a feia encarando os olhos da bonita como se quisesse intimidar a mesma para ter certeza da sinceridade. Respirou fundo e desabafou "Você me acha bonita?"

A outra lhe olhou com certa surpresa, pensou um pouquinho antes de responder, e também desabafou "Nem um pouco."

A feia suspira com o alivio da verdade e se desaponta com a dor da traição.

E então elas meditam.

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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana