Ela estava sentada na sua mesa, de frente à janela encarando o mar. Segurava firme a caneta e a sua mão suava. O papel branco à sua frente a esperava quieto, e toda vez que ela o olhava, estremecia mais um pouco.
Tomou coragem e escreveu as suas primeiras palavras. Riscou-as com insatisfação. Respirou fundo e retomou a escrita, sabia que ia doer, mas aquilo era preciso.
Sabe que por muito tempo sofri com a saudade do teu abraço, com a falta do teu cheiro e com o frio que o seu toque antes protegia, mas que agora me atinge brutalmente, sem nem ao menos avisar.
E também percebe que ao ir assim, sem nem dar espaço ao remorso, deixou para trás milhares de desejos mal planejados, e pesadelos que me acompanham pelos dias que se passam tão calmamente. Entende que a incerteza que ficou comigo é pior que as memórias e as fotografias que ainda ficam penduradas, por causa dessa minha falta de coragem de tocá-las.
Dói-me escrever essa carta, sabendo que depois a rasgarei em mil pedaços e a jogarei pelo ar, esperando que alguma parte lhe alcance, em qualquer que seja esse lugar onde está.
Gosto de pensar que fugiu para a cidade grande, para algum lugar com muitas pessoas parecidas, onde facilmente se perdeu em meio de tantos outros que lhe cercam. Gosto de pensar que lá, eu não te encontrarei e que lhe confundirei com qualquer um do resto do bando.
Mas em meio de tantos sonhos e hipóteses não posso esquecer-me do mar, lindo mar azul que me cerca e que me traz o conforto que antes era teu, mas que agora não é de ninguém. O mar, lar de tubarões e peixes palhaços, que poderia o ter levado para bem longe, onde pudesse se esquecer no meio das águas límpidas, onde a memória – e a consciência – já não mais se alcança. Gosto de pensar que as ondas me trazem o que restou daquilo que um dia foi teu e que a noite me murmura palavras de amor, com aquele ritmo tão calmo e sedutor.
Não me esqueço que é no mar onde abrigo nossos sonhos, que o levou para longe de mim, que jogou sal nos meus olhos e depois me abraçou carinhosamente. Não me esqueço que eu o desprezo com todo o meu carinho.
O mar carrega todas as minhas dores e lembranças. Então não se esqueça você, que no mar, você me encontra.
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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana