Tinha a impressão que havia mais peixes do que água. Ao sol do meio dia, podiam-se ver através da água barrenta milhares de olhos prateados, que brilhavam atenciosos. De vez em quando, via-se um vulto ou dois se mexendo rapidamente, causando bolhas ou trepidações na superfície daquele lago tão pequeno. As libélulas e as moscas se aproveitavam da tranqüilidade das águas para descansar suas asas. Do lado de fora, camuflados pela grama, velhos e gordos sapos viviam com a sua cantoria perturbadora, gozando da falta de atenção dos bichos.
Não era muito grande, mas era – certamente – o lago mais bonito de todos. Era delicado e intenso ao mesmo tempo e os peixinhos acrescentavam um tom caseiro àquele ambiente tão selvagem. Até mesmo as formigas eram diferentes, amigáveis e cuidadosas e até esperavam algumas horas antes de atacar a carcaça de algum animal morto, para mostrar respeito. A quietude do lugar era o seu principal charme. A bizarra ausência de grilos fazia com que a música dos sapos e das moscas ficasse mais simpática, misturada com o farfalhar das folhas das poucas árvores que haviam por ali. Um pouco da magia do lago vinha junto com a sensação de abandono total por seres humanos, já que era quase inabitado pela raça superior. Porém, havia sim humanos, como sempre. Na verdade, neste caso era apenas um homem, inofensivo e pacifico que gostava de ficar na beira do lago e apreciar o que podia. Era o único que parecia entender aquele lugar, podendo então, frequentá-lo. Entretanto, aquela simples pessoa não era mais do que um ser humano, que se enganava achando que podia entender a natureza e a magia, pensando não fazer nenhum mal quando apenas parado ali. Mal sabia ele.
Todos os dias após o almoço, o homem pegava a sua vara de pescar, a sua mochila térmica cheia de água potável e iscas vivas, alguns livros e ia para o lago, que não ficava muito longe de sua casa. Em todas as tardes o velho descia a ladeira, passava pelo meio de uma floresta mal formada, pisando em folhas secas e poças d’água, caminhando bastante até chegar à área do lago. Sempre que ele chegava lá ele respirava fundo e sorria para tudo aquilo, orgulhoso de poder estar em um lugar que ele não construiu, mas que fazia parte de sua alma do mesmo jeito. Fazia sempre o mesmo caminho e colocava a sua cadeira sempre no mesmo lugar.
Os peixes já ignoravam a isca que ele jogava na água, de tão acostumados que estavam daquela rotina. Os sapos sabiam que não deveriam se aproximar do lugar onde o homem costumava colocar a sua cadeira e as libélulas e moscas contornavam a trajetória da vara de pesca mesmo quando ela não estava lá. As formigas se continham no outro lado do lago para não serem pisoteadas e até mesmo a grama já desistira de crescer por todo o caminho que o homem fazia.
Foram-se mais de trinta anos com a mesma rotina. Era tudo um vício, uma dependência fortíssima. A carência enlouquecia e, sem ter o lago a sua frente, o homem adoecia. Adoecia de corpo e alma; seu coração palpitava e começava a sentir uma pontada bem onde a saudade divide lugar com a razão. Sua moral se abalava um tanto e o pobre velho desmaiava, sem força alguma.
O lago trazia, de fato, uma sensação revigorante, que até nauseava os desavisados. Sua brisa fortificava a memória e imortalizava a sensações. Era um formigamento que subia dos dedos dos pés até os fios de cabelo.
Era impressionante.
No entanto, o humilde homem nunca tinha parado para notar se algo havia mudado, apenas pelo simples fato de achar que era desnecessário, entanto o homem não sabia que o necessário está em algum lugar entre o imaginário e o real.
E como era esperado desde o começo da história, o lago foi perdendo a sua magia, enquanto os bichos começavam a agir da forma que deveriam, mordendo iscas, matando, atacando.
O velho, sendo o que era, só achou que havia algo errado quando sentiu que o formigamento havia diminuído notavelmente, mas não, não acho nem um pouco bizarro quando os peixes morderam as iscas ou quando grilos apareceram com a sua cantoria. E foi quando ele, sentado de frente ao lago, respirou fundo e não sentiu nada que tudo ficou claro.
Sim, ele adoeceu. Passava mal durante os dias e através das noites, sem encontrar remédio ou cura. Nada conseguia aliviar aquele desespero. Então, a “triste hora do fim se faz notória”, enquanto o perdão é inconcebível e a culpa é solteira.
O homem sabia muito bem que tudo aquilo era culpa dele – sem eufemismos ou disfarces, era a óbvia culpa – então, enquanto enfraquecia lentamente sozinho e triste, chorava lágrimas de decepção, e se sujava com o remorso que o consumia.
Contudo, já era tarde.
Foram-se mais de trinta anos com a mesma rotina. Era tudo um vício, uma dependência fortíssima. A carência enlouquecia e, sem ter o lago a sua frente, o homem adoecia. Adoecia de corpo e alma; seu coração palpitava e começava a sentir uma pontada bem onde a saudade divide lugar com a razão. Sua moral se abalava um tanto e o pobre velho desmaiava, sem força alguma.
O lago trazia, de fato, uma sensação revigorante, que até nauseava os desavisados. Sua brisa fortificava a memória e imortalizava a sensações. Era um formigamento que subia dos dedos dos pés até os fios de cabelo.
Era impressionante.
No entanto, o humilde homem nunca tinha parado para notar se algo havia mudado, apenas pelo simples fato de achar que era desnecessário, entanto o homem não sabia que o necessário está em algum lugar entre o imaginário e o real.
E como era esperado desde o começo da história, o lago foi perdendo a sua magia, enquanto os bichos começavam a agir da forma que deveriam, mordendo iscas, matando, atacando.
O velho, sendo o que era, só achou que havia algo errado quando sentiu que o formigamento havia diminuído notavelmente, mas não, não acho nem um pouco bizarro quando os peixes morderam as iscas ou quando grilos apareceram com a sua cantoria. E foi quando ele, sentado de frente ao lago, respirou fundo e não sentiu nada que tudo ficou claro.
Sim, ele adoeceu. Passava mal durante os dias e através das noites, sem encontrar remédio ou cura. Nada conseguia aliviar aquele desespero. Então, a “triste hora do fim se faz notória”, enquanto o perdão é inconcebível e a culpa é solteira.
O homem sabia muito bem que tudo aquilo era culpa dele – sem eufemismos ou disfarces, era a óbvia culpa – então, enquanto enfraquecia lentamente sozinho e triste, chorava lágrimas de decepção, e se sujava com o remorso que o consumia.
Contudo, já era tarde.
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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana