segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

FEBRACE 2010 - aí vamos nós

Há alguns posts atrás, naquele sobre literatura africana, disse que Ana e eu estávamos  concorrendo a FEBRACE  com  a nossa querida monografia. A lista de finalista só foi divulgada na última sexta-feria 18, e - como indica o título do post -  fomos classificadas! Sim! Estaremos lá! Não posso descrever o quanto ficamos surpresas, e claro, muito satisfeitas. Foram meses de trabalho muito intenso, e agora teremos a chance de apresentá-lo para muitas pessoas! Isso é tão emocionante!
Agora, vou aproveitar que tenho este espacinho aqui e que o espírito natalino está espalhado pelo mundo, para fazer os agradecimentos apropriadamente:

Queridos pais e familiares,
foi um longo e demorado processo, sei bem disso. Alguns de vocês acompanharam tudo de longe, mas mesmo assim tiveram que ouvir reclamações ou resquícios de debates que ficavam na minha cabeça por um tempo mesmo depois de escrito o texto... Outros acompanharam bem de perto, muito perto, nas madrugadas cansadas ou nas manhãs sonolentas. Estes sim, tiveram de ouvir muito. Sobre coisas bem variadas. E ainda ajudar quando as frases e as idéias não saiam tão claras quanto deveriam!
Enfim, de uma forma ou de outra, o apoio de todos foi muito importante durante todo tempo. Não posso nem começar a descrever a minha satisfação quando dizia "estou desenvolvendo um trabalho com uma amiga, sobre literatura africana..." e as suas sombrancelhas se arqueavam com um ar de animação questionte. Pois é, todos vocês fizeram isso - o que é bastante engraçado. Além do mais, todos conhecem de alguma forma a minha paixão por literatura, então pareciam perceber automaticamente a importância disso tudo para mim. Vê-los carinhosamente despejando incentivos e apoio moral para a finalização deste trabalho é muito gratificante. E fofo. Obrigada à todos. 

Queridos amigos,
foi muito bom ter vocês ao nosso lado durante esses meses, suportando discussões e debates na hora do recreio e tudo mais. Não posso culpá-los por não acharem literatura africana tão 'bacana' quanto nós, mas agradeço por todo o esforço que fizeram para parecerem animados com tudo. Significa muito para nós saber que vocês compreendem, cada um da sua forma, a importância deste trabalho, e que nos apoiam, mesmo em 'nerdisses' deste tamanho que não os atraem de forma alguma. E sabem muito bem que, sem vocês por perto, Ana e eu teríamos nos matado em algum momento. Muito, muito obrigada por tudo.

Queridos professores e orientadora,
agradeço, primeiramente, a compreensão de todos que nos cederam aulas para conversar com a nossa orientadora. O tempo foi curto e, de vez em quando, essa era a única forma. Também, obrigada a quem nos ajudou na escrita do trabalho, com segundas opiniões na revisão e formulação de frases. E, claro, não posso deixar de agradecer os professores que ficaram sabendo do trabalho, de uma forma ou de outra, e - assim como os meus parentes - arquearam as sombrancelhas. Muito obrigada por nos desejarem sorte e torcerem pelo o melhor!
Agora você orientadora, merece um parágrafo especial! Aposto que não achou que chegaríamos tão longe quando viu nosso esquema feito em post-its, para a primeiríssima escrita do trabalho. Mas, não se culpe - a gente também não. Quando nos convidou para aumentar o trabalho e tentar inscrevê-lo na FEBRACE, disse bem que daria bastante trabalho e provavelmente não seríamos classificadas, afinal é uma grande feira nacional. As chances de aceitação eram pequenas, e assim deveriam ser as nossas expectativas. Fizemos todo o trabalho apenas pela experiência, para aprender a fazer pesquisas e monografias - e quer saber, foi uma ótima experiência. Muito bom ter uma professora orientadora que lhe acompanha em todas as etapas do trabalho, sempre com sugestões, disponibilidade e o mais importante, paciência. Muito obrigada por tudo, de verdade. E parabéns pela classificação! afinal o trabalho é seu também.

Querida Ana, 
hum, por onde começar? Talvez, devo lhe agradecer por ter feito parte de tudo isso comigo. Você é uma das poucas que compreende o quanto literatura importa para mim, e saber que terei a sua companhia quando finalmente mergulhar neste louco mundo da teoria literária, é um enorme conforto e incentivo. Ninguém no mundo teria tanta paciência quanto você teve para trabalhar comigo, em um trabalho voluntário e extra-curricular ainda! Obrigada por ter suportado toda a minha ansiedade, meu complexo de autoridade e estresses eventuais. Este trabalho não seria possível sem você, sem a sua clareza nas idéias e perspicácia, grande habilidade de chegar a conclusões plausíveis!  Ter feito, então, um trabalho tão importante quanto esse só teria dado certo com você
Lembrava-me outro dia que nossa amizade já dura oito anos. Quase nove, na verdade. Alguns anos foram turbulentos e confusos, mas estes últimos foram tranquilos e bem estáveis. Nossa amizade chegou em um nível em que não adianta perder tempo discutindo, afinal, dalí a cinco minutos estará tudo bem de novo! Por bem ou por mal, querida Banana, somos muito parecidas e eu coloco a culpa na longa convivência. Nos suportamos e aceitamos, cada uma com todos os seus defeitos e qualidades, que no fundo, no fundo nem importam tanto assim. Não me importa o que consegue ou não fazer, desde que essa nossa amizade, desse jeito que ela é hoje, continue assim por muitos anos ainda.
Obrigada por tudo querida, e parabéns pelo trabalho!
FEBRACE 2010, we are on our way.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Descobrimento e confirmação

Desde que o tempo é tempo, almoço na casa da minha avó aos sábados. Não todos, a cada quinze dias na verdade, mas fixou-se em uma rotina tão fortemente, que quando precisam acontecer num domingo, acabam se tornando um verdadeiro transtorno moral. Esta rotina já é passada, conhecida há muito. Acordava cedo, chacoalhada pelo gentil toque de meu pai, e ainda meio inconscientes, colocávamo-nos todos na estrada. Os olhos meio abertos observavam a paisagem urbana, sem qualquer interesse. Passava-se  o aeroporto, a loja de piscinas engraçadas, o túnel e pronto – a parte mais emocionante de toda a viagem.

Três altos morros seguidos, ladeiras íngremes que quando passeadas em alta velocidade traziam aflição ao estômago medroso. Margeados por sobrados decadentes, vilas escondidas por entre longos quarteirões, pinturas manchadas e pichações obscenas nas paredes encardidas. Carros sem rodas ou com vidros quebrados, crianças andando pelas calçadas quebradas com roupas sujas e chinelos finos. É a imagem de minha infância.

E ainda me lembro das cócegas delicadas que percorriam meu pequeno corpo quando, de repente, um semáforo prendeu-nos no meio da descida. Engolida pela distração da alta música do meu próprio disk-man, senti forte o tranco da freada. E ao passear os olhos vagos pela paisagem ao meu lado, encontrei algo que me prendeu a vista boba por alguns momentos confusos.

Abro aqui um parêntesis para esclarecer-lhe: sempre fui menina tão superficial que qualquer toque mais intenso que o acostumado pela fina pele fria, faz com que cresça pela espinha um arrepio intenso e martela ideias na insensata cabeça, fazendo de todo pequeno suspiro um importante momento na vida. Certo, fecho o parêntesis.


Sentado quase como um fantasma estava ele, na quina de um muro branco de uma casa de esquina. Com certeza era mais velho que eu, podia-se ver pelo corpo comprido e magrelo – se bem que mergulhada em meus oito anos, qualquer um parecia mais velho que eu. Uma perna se escondia dentro do muro, a outra balançava no lado de fora, pendurando uma havaiana azul surrada, sua camisa esgarçada mal cobria os seus ombros.

Vi que olhava em meus olhos. Ignorava completamente as feições incertas e sonolentas, curioso. O carro andava em soquinhos, mas continuava sustentando os olhos sérios nos meus, confusos. Inocente como era, duvidei ainda se olhava realmente para mim. Afinal, por quê?

Louca por provas, sedenta de confirmação, nervosa com o carro que descia aos poucos retardando a despedia mas alongando as oportunidades de descobrimento e afirmação, encontrei na minha alma infantil demais uma pequena solução: mostrei-lhe a língua. No canto da boca, lábios entreabertos discretamente, apenas uma pequena parte. Quase imediatamente, a resposta: mostrou-me a língua também, uma cópia idêntica de meu movimento bobo.

Correu pela minha cabeça uma grande quantidade de sangue quente. Senti as bochechas enrubescerem. Olhei automaticamente para o meu pai, no volante. E se tivesse me visto, naquele momento atrevido, ações inexplicáveis? O que faria? O que diria minha irmã se visse minhas bochechas vermelhas e os olhos arregalados com a surpresa da resposta. Como explicar-lhe por que havia havido uma resposta? Formigava-me o esôfago, sentia que suava e o coração acelerado fazia pulsar ainda mais forte a veia verde do pescoço. Não, não lhe exagero em nada, tenho certeza que foi isso mesmo o que se passou dentro de mim. Formigavam, acelerados. Respondera-me, mostrara-me a língua. O que significava, meu Deus, aquele menino me encarar daquela forma e então responder de forma tão clara e direta a minha – repito, minha – ação para o descobrimento e confirmação de uma intuição qualquer. Sabia, talvez, o que eu quis dizer? Padecia ele das mesmas sensações? Talvez se fizesse outra coisa, estabelecesse contato mais uma vez, talvez assim pudesse encontrar alguma resposta. Olhei para ele de novo. Ria-se, bem alto, uma gargalhada cujo som não chegava aos meus ouvidos, mas que se desenhava no céu azul em formas agudas, os pés flexionados feito de um pato, o chinelo preso entre os dedos sujos balançava capengo. Ria-se de mim.
Por quê? questionei-me durante anos.

Nunca saberei, claro. Pois o carro passou a movimentar-se de verdade agora, meu pai e minha irmã absorvidos em alguma longa conversa nem haviam reparado na vermelhidão de meu rosto e na mágoa que transparecia em meus olhos. Ria-se, por quê? Nunca saberei. No alto do morro seguinte, cócegas novas já me perturbavam, alheias a qualquer transformação na forma de serem sentidas. Mas posso garantir-lhe que havia mudado, com certeza. 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Andar é reconhecer, olhar*

Sabe, eu volto da escola a pé. Três vezes por semana ando pelos mesmos longos quarteirões me sentindo bem, passos firmes, independente das perdas ou vitórias da manhã escolar. Talvez seja porque me bate no peito uma longa sensação de liberdade assim que começo a caminhar, ou pode ser o conforto mesmo, pois afinal sempre sei para onde estou indo – casa. Tão bom, não? saber que se caminha para o lugar mais aconchegante e acolhedor de todo o mundo, e que lá poderá se desprender de suas dores e responsabilidades, por alguns momentos pelo menos, e ser quem realmente se é.

Ontem, andando por ali pela última vez do ano – pois finalmente foi o meu último dia de aula – e tomada pela nostalgia das despedidas temporárias, lembrei-me da primeira vez que passei por ali sozinha, logo no começo do ano. Sabe, este foi um ano de mudanças – cheguei afinal no primeiro colegial – e consigo me lembrar bem de como andava saltitando pelas calçadas, evitando as rachaduras do concreto, pensando preocupada no futuro incerto que viria. E foi ontem que eu finalmente percebi que ele veio, quase como eu havia imaginado. Claro que  menos harmônico e “Julia-cêntrico” que o idealizado, mas veio, passou e acabou. Mas não é disso que quero falar agora, afinal demoraria demais e o ano não acabou ainda. Queria apenas dizer que me intriga muito o quanto eu me construí durante essas caminhadas, e que só percebi isso ontem.


O que acontecia é bem claro: passava a manhã na escola e convivia com pessoas, forçadamente ou não. Via e ouvia coisas que não me agradavam ou que me chamavam a atenção. Tudo isso em um ritmo bem rápido e contínuo. Em casa, tudo o que queria era esquecer tudo aquilo e ser apenas filha de meus pais por um pouquinho, até que teria que voltar às minhas atividades relacionadas à escola – que por acaso, me atormentaram o ano inteiro. Era apenas nessa caminhada que, livre, podia pensar, quase filtrar, tudo o que havia se passado de manhã. Um processo bem simples, formador de grandes opiniões que me apóiam hoje, me sustentando neste ballet de “sou-o-que-sou”. Muitas das afirmações que hoje faço com muita certeza são baseadas em conclusões a que cheguei enquanto andava sozinha da escola para casa. Engraçado, não? uma caminhadinha tão subestimada que me trouxe tanto para a alma!


* trecho da música "Primeiro andar", Los Hermanos