quinta-feira, 31 de julho de 2008

Pipoca com Café

Era uma amizade que - para as duas - fazia muito sentido. As duas juntas formavam uma combinação perfeita, como pipoca e café - o tipo de combinação que te arrepia, mas que depois de juntos, mesmo sendo horríveis, são inseparáveis. Do mesmo jeito que pipoca com café lhe causa ânsia, essas duas lhe causam sentimentos inexplicáveis.
Se conheceram quando crianças, ainda pequenas demais para escolher as próprias amizades. Foram ditas para se odiarem com todo os seus corações moles, e foi isso que fizeram. Brigaram todos os dias durante uns três anos, brigas bobas que duravam horas e horas e que ainda assim não acabavam, só entravam em recesso até a manhã seguinte, quando, com o fôlego recuperado, recomeçariam tudo. No começo era até divertido para aqueles que assistiam, já que as duas eram entupidas de sarcasmo e maldade até o topo, mas depois de três anos começaram a perder a graça. Quando as duas perceberam que não tinham mais público ou energia, decidiram começar a simplesmente se ignorar.
Se ignoraram por algumas semanas. Foram semanas tristes aquelas... Sem assunto com as amigas, sem babado no recreio, sem sensação de superioridade. Foi então que perceberam que, sem querer, se tornaram completamente dependentes daquela relação de ódio e "amor não assumido".
Como as duas eram extremamente orgulhosas e, se me permite, burras, demoraram mais ou menos um ano até tomarem coragem para começarem a conversar.
Quando começaram também não pararam.
Julia e Ana viraram melhores amigas, mas no começo não era uma amizade muito fácil de se administrar. Elas eram muito diferentes, em um jeito muito parecido de ser. Mas ao longo dos anos, elas se concertaram sem mesmo perceber.
Duvido que Ana tenha percebido o quanto de paciência precisou ter até Julia aprender o significado dessa palavra. E como usá-la. E não acho que Julia saiba como foi compreensível com Ana, que ás vezes só precisava que alguém lhe falasse o que queria ouvir, ao invés da crua verdade que estava-lhe sempre pronta na ponta da língua.
As duas aprenderam a se entender.
Depois de alguns anos juntas, Julia já estava acostumada com os desgostos bizarros de Ana, assim como Ana já não se importava mais com as piadas horríveis de Julia - ou com o seu mal-humor ocasional. De vez enquando até ria.
Não tinham gostos parecidos para a música, ou cinema, ou comida, ou livros, ou roupas. Mas sempre conseguiram se entender, respeitando a outra com um tipo de respeito tortuoso, que apenas as duas entendiam e aceitavam sem problemas.
Uma participou muito do crescimento da outra. Durante toda a adolescência ficaram juntas, durante as notas boas e ruins, interesses confusos, problemas de família, crises de identidade e alguns finais de semana.
Adoravam se divertir a custa dos outros. Não era preciso falar nada, com apenas um olhar malvado elas se entendiam. Elas faziam bastante disso, mesmo quando o comentário não era maldoso. O senso de humor delas era tão peculiar e parecido, que eram as únicas a entenderem as piadas que não faziam.
Como passavam muito tempo juntas, acabaram ficando muito parecidas até no jeito que tratavam os outros com a ironia delicada que compartilhavam. Como essa ironia era uma grande parte daquilo que eram, viviam sendo confundidas. Seus nomes eram trocados e misturados e confundidos o tempo todo, afirmando qualquer tipo de hipótese que tinham sobre as suas similaridades.
Ana era a única que conseguia confortar Julia.
Julia gostava de pensar que era aquela que sabia ouvir Ana.
Então elas cresceram. Juntas.
E nada na amizade delas mudou.
Continuam, até hoje - e espero que para sempre - a mesma combinação confusa e perfeita, como pipoca com café.

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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana