Tenho medo de me conhecer por inteiro. Tenho medo do resultado. Pode ser que eu seja uma pessoa muito boa, muito ruim, ou um nada.O que me dá mais medo é saber que as minhas chances de ser nada são iguais as minhas chances de ser algo bom.
No ônibus velho e barulhento éramos ao todo seis. O motorista, concentrado em uma distração, o cobrador que dormia e eu que observava as outras três pessoas.
Havia uma moça de unhas vermelhas e cumpridas. Mãos entrelaçadas sob as pernas, olhava para o céu escuro pela janela. Respirava ofegante. Sentava-se a minha direita umas três fileiras para frente.
Um homem deitado no banco, logo atrás da moça. Tinha a cabeça encostada na janela e o pé pendurado da perna apoiada. O pé se mexia de acordo com o sacolejo do ônibus. Os braços cruzados sob o peito. Estava encolhido, como se estivesse com frio. Olhava para o chão no meio do corredor do ônibus. Mal parecia respirar.
Logo atrás dele, do meu lado, mas do outro lado do corredor, havia uma senhora. Com uma simplicidade elegante, olhava para frente apenas, talvez sem ver nada. Segurava nas mãos a alça da bolsa e um terço de madeira. Sua serenidade assustava.
Já eram altas horas da noite, e o ônibus continuava seguindo, balangando os pensamentos daquele povo. Só queríamos chegar em casa. Foi um passeio longo aquele. Vínhamos de longe. Os quatro subiram no mesmo ponto, decididos. Isso já fazia muito tempo. Horas, eternidades. Vimos pessoas entrarem e saírem, subirem e descerem. Juntos ou sozinhos. Mas nós ficamos ali.
Sim, ficamos.
Já àquele ponto éramos uma família. Ou poderíamos ser, se nos desligássemos dos nossos pensamentos por um instante sequer. Mas e eles, o que será que pensavam? Eu sabia no que pensava, e gostava. Mas eles?
Será que pensavam na vida? Não consigo entender porque se pensa na vida. Não é como se achará alguma solução para qualquer coisa. São apenas devaneios sem sentido. Nem pensamos nas coisas boas da vida. Por que será? Pode ser porque estas são usadas e desperdiçadas assim que se atiram à nossa frente. As coisas boas são modos de se sair da depressão. Ou modos de se entrar na solidão, ignorância, confiança.
Com as coisas ruins aprendemos. Aprendemos a não sentir, para não sofrer. As coisas boas acabam todo esse aprendizado. Coisas boas não servem para nada.
A noite estava bonita, a lua crescente. Havia algumas estrelas no céu. Olhei para as unhas da moça. Vermelhas, longas e bonitas. Então vi as minhas curtas e sujas. Olhei os sapatos do moço, sujos, velhos, cheios de buracos. Então vi os meus limpos, novos e inteiros. Olhei para a senhora e vi um auto controle, uma serenidade absurda. Então senti a inveja subindo pelo meu corpo, como uma onda violenta.
O ônibus balançava de um lado para o outro. Cantava um pouco também.
Perto do meu ponto levantei-me e apertei o botão. Os outros três também. Descemos no mesmo ponto e caminhamos para a mesmo direção.
A senhora olhava para frente, concentrada, porém em qualquer outro lugar. O moço chutava tudo que lhe cruzava o caminho. A moça caminhava calmamente olhando para baixo. Equilibrava-se inconsciente nos saltos altos que pisavam fortemente na calçada quebrada.
Parei na frente da minha casa. Abri o portão e entramos. Eu, a moça, a senhora e o moço. O moço fechou o portão atrás de si.
Ouvi o despertador tocar.
No ônibus velho e barulhento éramos ao todo seis. O motorista, concentrado em uma distração, o cobrador que dormia e eu que observava as outras três pessoas.
Havia uma moça de unhas vermelhas e cumpridas. Mãos entrelaçadas sob as pernas, olhava para o céu escuro pela janela. Respirava ofegante. Sentava-se a minha direita umas três fileiras para frente.
Um homem deitado no banco, logo atrás da moça. Tinha a cabeça encostada na janela e o pé pendurado da perna apoiada. O pé se mexia de acordo com o sacolejo do ônibus. Os braços cruzados sob o peito. Estava encolhido, como se estivesse com frio. Olhava para o chão no meio do corredor do ônibus. Mal parecia respirar.
Logo atrás dele, do meu lado, mas do outro lado do corredor, havia uma senhora. Com uma simplicidade elegante, olhava para frente apenas, talvez sem ver nada. Segurava nas mãos a alça da bolsa e um terço de madeira. Sua serenidade assustava.
Já eram altas horas da noite, e o ônibus continuava seguindo, balangando os pensamentos daquele povo. Só queríamos chegar em casa. Foi um passeio longo aquele. Vínhamos de longe. Os quatro subiram no mesmo ponto, decididos. Isso já fazia muito tempo. Horas, eternidades. Vimos pessoas entrarem e saírem, subirem e descerem. Juntos ou sozinhos. Mas nós ficamos ali.
Sim, ficamos.
Já àquele ponto éramos uma família. Ou poderíamos ser, se nos desligássemos dos nossos pensamentos por um instante sequer. Mas e eles, o que será que pensavam? Eu sabia no que pensava, e gostava. Mas eles?
Será que pensavam na vida? Não consigo entender porque se pensa na vida. Não é como se achará alguma solução para qualquer coisa. São apenas devaneios sem sentido. Nem pensamos nas coisas boas da vida. Por que será? Pode ser porque estas são usadas e desperdiçadas assim que se atiram à nossa frente. As coisas boas são modos de se sair da depressão. Ou modos de se entrar na solidão, ignorância, confiança.
Com as coisas ruins aprendemos. Aprendemos a não sentir, para não sofrer. As coisas boas acabam todo esse aprendizado. Coisas boas não servem para nada.
A noite estava bonita, a lua crescente. Havia algumas estrelas no céu. Olhei para as unhas da moça. Vermelhas, longas e bonitas. Então vi as minhas curtas e sujas. Olhei os sapatos do moço, sujos, velhos, cheios de buracos. Então vi os meus limpos, novos e inteiros. Olhei para a senhora e vi um auto controle, uma serenidade absurda. Então senti a inveja subindo pelo meu corpo, como uma onda violenta.
O ônibus balançava de um lado para o outro. Cantava um pouco também.
Perto do meu ponto levantei-me e apertei o botão. Os outros três também. Descemos no mesmo ponto e caminhamos para a mesmo direção.
A senhora olhava para frente, concentrada, porém em qualquer outro lugar. O moço chutava tudo que lhe cruzava o caminho. A moça caminhava calmamente olhando para baixo. Equilibrava-se inconsciente nos saltos altos que pisavam fortemente na calçada quebrada.
Parei na frente da minha casa. Abri o portão e entramos. Eu, a moça, a senhora e o moço. O moço fechou o portão atrás de si.
Ouvi o despertador tocar.
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"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana