terça-feira, 21 de outubro de 2008

O grande lucro

O bar estava como sempre, cheio e quente, com o seu incomparável zumbido de mil vozes. Quinta feira, fim da tarde, tudo era uma grande bagunça, pessoas gritando com os garçons que, nervosos, faziam ainda mais erros que de costume, risos histéricos de pessoas já um pouco alteradas e aquele cheiro de cerveja pelo ar.

Já se passava das seis, e seus cinco amigos o esperavam para contar e dividir os lucros do dia, já sentados em uma mesa perto à janela, cada um com o seu copo já meio vazio e impacientes. Estavam quase desistindo e indo para casa quando ele entrou no bar todo sorridente, como uma criança que acabou de ganhar uma caixa de presente com laço de fita.

Sentou-se na mesa calmamente e pediu uma bebida para um moço que passava. Este lhe devolveu algumas palavras mal educadas, afinal não era garçom coisa nenhuma. Seus amigos riam, e ele, sem perder a pose, vestiu a sua melhor cara de superior e disse, não me importo com a bebida, hoje ganhei coisa melhor. Todos os homens pararam de rir imediatamente e apoiaram seus cotovelos na mesa, curiosos para ouvir a história.

Ele bebeu um gole da bebida de seu colega, que nem se mexeu de tanta expectativa. Gozando da situação, reclinou-se na cadeira de plástico, limpou as unhas na camiseta suja, coçou a cabeça e limpou a garganta. Os seus amigos já mortos de curiosidade se cansaram de esperar a sua boa vontade e começaram o questionário.

"O que é? Ganhou boa coisa hoje?" um deles o perguntou. Ele apenas tirou do bolso as três moedas que tinha ganhado naquele dia. "Não mesmo" respondeu. Os cinco se mexeram nas suas cadeiras. Um coçou a cabeça, outro pôs a mão no queixo, outro olho para o teto. Eles até ignoraram a pequena quantia entregue.

"Então você conheceu alguém?" perguntou outro, o que segurava o queixo, piscando um olho como quem sugere malandragem. "Sou casado, rapaz" foi a resposta indignada.

"Já sei o que houve! Você apareceu na TV." este se reclinou na cadeira e cruzou os braços sobre a barriga, esperando a glória. "Eu? Nem de longe!"

As idéias foram acabando, seus amigos começaram a se render e a implorar pela história real. Ele, ria com a glória de quem pode, adorando todos os momentos em que ele tinha o poder.

Finalmente, depois de muitas promessas e propostas, limpou a garganta mais uma vez e tomou mais um gole da bebida de seu amigo, que de novo, não se moveu. Apoiou seus braços em cima da mesa e cruzou os seus dedos. Abriu a boca, formulando a frase em sua cabeça, mas fechou-a de novo. Os cinco outros, imitavam a sua pose, cada um se aproximando dele o máximo que podiam, para poderem ouvir todos os detalhes. Então ele, finalmente, começou. "Imaginem só, eu lá na minha rua. Fechou o farol, eu me levantei e fui até o primeiro carro, ofereci a bala, fiz a propaganda que pude, mas o moço não quis nem abaixar o vidro. Fui então para o segundo carro, vi que haviam umas crianças sentadas no banco de trás, mas assim que elas me viram, esconderam as bolsas embaixo do banco e então eu fui embora. Quando fui para o terceiro carro, a janela estava fechada e havia uma moça dirigindo sozinha. Ofereci a bala com todo o carisma que consegui. Ela me olhou nos olhos, fez não com o dedo e me deu um sorriso. Um sorriso tão bonito, sincero. Me fez sentir um calor assim, subir no meu peito. Eu fiquei tão feliz, que voltei a me sentar na calçada e fiquei lá a tarde inteira, pensando no sorriso da moça. Aquilo fez o meu dia."
Houve um grande silêncio. "Só isso?" um deles perguntou.

Um comentário:

"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um deles é burro"
Mário Quintana