segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

FEBRACE 2010 - aí vamos nós

Há alguns posts atrás, naquele sobre literatura africana, disse que Ana e eu estávamos  concorrendo a FEBRACE  com  a nossa querida monografia. A lista de finalista só foi divulgada na última sexta-feria 18, e - como indica o título do post -  fomos classificadas! Sim! Estaremos lá! Não posso descrever o quanto ficamos surpresas, e claro, muito satisfeitas. Foram meses de trabalho muito intenso, e agora teremos a chance de apresentá-lo para muitas pessoas! Isso é tão emocionante!
Agora, vou aproveitar que tenho este espacinho aqui e que o espírito natalino está espalhado pelo mundo, para fazer os agradecimentos apropriadamente:

Queridos pais e familiares,
foi um longo e demorado processo, sei bem disso. Alguns de vocês acompanharam tudo de longe, mas mesmo assim tiveram que ouvir reclamações ou resquícios de debates que ficavam na minha cabeça por um tempo mesmo depois de escrito o texto... Outros acompanharam bem de perto, muito perto, nas madrugadas cansadas ou nas manhãs sonolentas. Estes sim, tiveram de ouvir muito. Sobre coisas bem variadas. E ainda ajudar quando as frases e as idéias não saiam tão claras quanto deveriam!
Enfim, de uma forma ou de outra, o apoio de todos foi muito importante durante todo tempo. Não posso nem começar a descrever a minha satisfação quando dizia "estou desenvolvendo um trabalho com uma amiga, sobre literatura africana..." e as suas sombrancelhas se arqueavam com um ar de animação questionte. Pois é, todos vocês fizeram isso - o que é bastante engraçado. Além do mais, todos conhecem de alguma forma a minha paixão por literatura, então pareciam perceber automaticamente a importância disso tudo para mim. Vê-los carinhosamente despejando incentivos e apoio moral para a finalização deste trabalho é muito gratificante. E fofo. Obrigada à todos. 

Queridos amigos,
foi muito bom ter vocês ao nosso lado durante esses meses, suportando discussões e debates na hora do recreio e tudo mais. Não posso culpá-los por não acharem literatura africana tão 'bacana' quanto nós, mas agradeço por todo o esforço que fizeram para parecerem animados com tudo. Significa muito para nós saber que vocês compreendem, cada um da sua forma, a importância deste trabalho, e que nos apoiam, mesmo em 'nerdisses' deste tamanho que não os atraem de forma alguma. E sabem muito bem que, sem vocês por perto, Ana e eu teríamos nos matado em algum momento. Muito, muito obrigada por tudo.

Queridos professores e orientadora,
agradeço, primeiramente, a compreensão de todos que nos cederam aulas para conversar com a nossa orientadora. O tempo foi curto e, de vez em quando, essa era a única forma. Também, obrigada a quem nos ajudou na escrita do trabalho, com segundas opiniões na revisão e formulação de frases. E, claro, não posso deixar de agradecer os professores que ficaram sabendo do trabalho, de uma forma ou de outra, e - assim como os meus parentes - arquearam as sombrancelhas. Muito obrigada por nos desejarem sorte e torcerem pelo o melhor!
Agora você orientadora, merece um parágrafo especial! Aposto que não achou que chegaríamos tão longe quando viu nosso esquema feito em post-its, para a primeiríssima escrita do trabalho. Mas, não se culpe - a gente também não. Quando nos convidou para aumentar o trabalho e tentar inscrevê-lo na FEBRACE, disse bem que daria bastante trabalho e provavelmente não seríamos classificadas, afinal é uma grande feira nacional. As chances de aceitação eram pequenas, e assim deveriam ser as nossas expectativas. Fizemos todo o trabalho apenas pela experiência, para aprender a fazer pesquisas e monografias - e quer saber, foi uma ótima experiência. Muito bom ter uma professora orientadora que lhe acompanha em todas as etapas do trabalho, sempre com sugestões, disponibilidade e o mais importante, paciência. Muito obrigada por tudo, de verdade. E parabéns pela classificação! afinal o trabalho é seu também.

Querida Ana, 
hum, por onde começar? Talvez, devo lhe agradecer por ter feito parte de tudo isso comigo. Você é uma das poucas que compreende o quanto literatura importa para mim, e saber que terei a sua companhia quando finalmente mergulhar neste louco mundo da teoria literária, é um enorme conforto e incentivo. Ninguém no mundo teria tanta paciência quanto você teve para trabalhar comigo, em um trabalho voluntário e extra-curricular ainda! Obrigada por ter suportado toda a minha ansiedade, meu complexo de autoridade e estresses eventuais. Este trabalho não seria possível sem você, sem a sua clareza nas idéias e perspicácia, grande habilidade de chegar a conclusões plausíveis!  Ter feito, então, um trabalho tão importante quanto esse só teria dado certo com você
Lembrava-me outro dia que nossa amizade já dura oito anos. Quase nove, na verdade. Alguns anos foram turbulentos e confusos, mas estes últimos foram tranquilos e bem estáveis. Nossa amizade chegou em um nível em que não adianta perder tempo discutindo, afinal, dalí a cinco minutos estará tudo bem de novo! Por bem ou por mal, querida Banana, somos muito parecidas e eu coloco a culpa na longa convivência. Nos suportamos e aceitamos, cada uma com todos os seus defeitos e qualidades, que no fundo, no fundo nem importam tanto assim. Não me importa o que consegue ou não fazer, desde que essa nossa amizade, desse jeito que ela é hoje, continue assim por muitos anos ainda.
Obrigada por tudo querida, e parabéns pelo trabalho!
FEBRACE 2010, we are on our way.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Descobrimento e confirmação

Desde que o tempo é tempo, almoço na casa da minha avó aos sábados. Não todos, a cada quinze dias na verdade, mas fixou-se em uma rotina tão fortemente, que quando precisam acontecer num domingo, acabam se tornando um verdadeiro transtorno moral. Esta rotina já é passada, conhecida há muito. Acordava cedo, chacoalhada pelo gentil toque de meu pai, e ainda meio inconscientes, colocávamo-nos todos na estrada. Os olhos meio abertos observavam a paisagem urbana, sem qualquer interesse. Passava-se  o aeroporto, a loja de piscinas engraçadas, o túnel e pronto – a parte mais emocionante de toda a viagem.

Três altos morros seguidos, ladeiras íngremes que quando passeadas em alta velocidade traziam aflição ao estômago medroso. Margeados por sobrados decadentes, vilas escondidas por entre longos quarteirões, pinturas manchadas e pichações obscenas nas paredes encardidas. Carros sem rodas ou com vidros quebrados, crianças andando pelas calçadas quebradas com roupas sujas e chinelos finos. É a imagem de minha infância.

E ainda me lembro das cócegas delicadas que percorriam meu pequeno corpo quando, de repente, um semáforo prendeu-nos no meio da descida. Engolida pela distração da alta música do meu próprio disk-man, senti forte o tranco da freada. E ao passear os olhos vagos pela paisagem ao meu lado, encontrei algo que me prendeu a vista boba por alguns momentos confusos.

Abro aqui um parêntesis para esclarecer-lhe: sempre fui menina tão superficial que qualquer toque mais intenso que o acostumado pela fina pele fria, faz com que cresça pela espinha um arrepio intenso e martela ideias na insensata cabeça, fazendo de todo pequeno suspiro um importante momento na vida. Certo, fecho o parêntesis.


Sentado quase como um fantasma estava ele, na quina de um muro branco de uma casa de esquina. Com certeza era mais velho que eu, podia-se ver pelo corpo comprido e magrelo – se bem que mergulhada em meus oito anos, qualquer um parecia mais velho que eu. Uma perna se escondia dentro do muro, a outra balançava no lado de fora, pendurando uma havaiana azul surrada, sua camisa esgarçada mal cobria os seus ombros.

Vi que olhava em meus olhos. Ignorava completamente as feições incertas e sonolentas, curioso. O carro andava em soquinhos, mas continuava sustentando os olhos sérios nos meus, confusos. Inocente como era, duvidei ainda se olhava realmente para mim. Afinal, por quê?

Louca por provas, sedenta de confirmação, nervosa com o carro que descia aos poucos retardando a despedia mas alongando as oportunidades de descobrimento e afirmação, encontrei na minha alma infantil demais uma pequena solução: mostrei-lhe a língua. No canto da boca, lábios entreabertos discretamente, apenas uma pequena parte. Quase imediatamente, a resposta: mostrou-me a língua também, uma cópia idêntica de meu movimento bobo.

Correu pela minha cabeça uma grande quantidade de sangue quente. Senti as bochechas enrubescerem. Olhei automaticamente para o meu pai, no volante. E se tivesse me visto, naquele momento atrevido, ações inexplicáveis? O que faria? O que diria minha irmã se visse minhas bochechas vermelhas e os olhos arregalados com a surpresa da resposta. Como explicar-lhe por que havia havido uma resposta? Formigava-me o esôfago, sentia que suava e o coração acelerado fazia pulsar ainda mais forte a veia verde do pescoço. Não, não lhe exagero em nada, tenho certeza que foi isso mesmo o que se passou dentro de mim. Formigavam, acelerados. Respondera-me, mostrara-me a língua. O que significava, meu Deus, aquele menino me encarar daquela forma e então responder de forma tão clara e direta a minha – repito, minha – ação para o descobrimento e confirmação de uma intuição qualquer. Sabia, talvez, o que eu quis dizer? Padecia ele das mesmas sensações? Talvez se fizesse outra coisa, estabelecesse contato mais uma vez, talvez assim pudesse encontrar alguma resposta. Olhei para ele de novo. Ria-se, bem alto, uma gargalhada cujo som não chegava aos meus ouvidos, mas que se desenhava no céu azul em formas agudas, os pés flexionados feito de um pato, o chinelo preso entre os dedos sujos balançava capengo. Ria-se de mim.
Por quê? questionei-me durante anos.

Nunca saberei, claro. Pois o carro passou a movimentar-se de verdade agora, meu pai e minha irmã absorvidos em alguma longa conversa nem haviam reparado na vermelhidão de meu rosto e na mágoa que transparecia em meus olhos. Ria-se, por quê? Nunca saberei. No alto do morro seguinte, cócegas novas já me perturbavam, alheias a qualquer transformação na forma de serem sentidas. Mas posso garantir-lhe que havia mudado, com certeza. 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Andar é reconhecer, olhar*

Sabe, eu volto da escola a pé. Três vezes por semana ando pelos mesmos longos quarteirões me sentindo bem, passos firmes, independente das perdas ou vitórias da manhã escolar. Talvez seja porque me bate no peito uma longa sensação de liberdade assim que começo a caminhar, ou pode ser o conforto mesmo, pois afinal sempre sei para onde estou indo – casa. Tão bom, não? saber que se caminha para o lugar mais aconchegante e acolhedor de todo o mundo, e que lá poderá se desprender de suas dores e responsabilidades, por alguns momentos pelo menos, e ser quem realmente se é.

Ontem, andando por ali pela última vez do ano – pois finalmente foi o meu último dia de aula – e tomada pela nostalgia das despedidas temporárias, lembrei-me da primeira vez que passei por ali sozinha, logo no começo do ano. Sabe, este foi um ano de mudanças – cheguei afinal no primeiro colegial – e consigo me lembrar bem de como andava saltitando pelas calçadas, evitando as rachaduras do concreto, pensando preocupada no futuro incerto que viria. E foi ontem que eu finalmente percebi que ele veio, quase como eu havia imaginado. Claro que  menos harmônico e “Julia-cêntrico” que o idealizado, mas veio, passou e acabou. Mas não é disso que quero falar agora, afinal demoraria demais e o ano não acabou ainda. Queria apenas dizer que me intriga muito o quanto eu me construí durante essas caminhadas, e que só percebi isso ontem.


O que acontecia é bem claro: passava a manhã na escola e convivia com pessoas, forçadamente ou não. Via e ouvia coisas que não me agradavam ou que me chamavam a atenção. Tudo isso em um ritmo bem rápido e contínuo. Em casa, tudo o que queria era esquecer tudo aquilo e ser apenas filha de meus pais por um pouquinho, até que teria que voltar às minhas atividades relacionadas à escola – que por acaso, me atormentaram o ano inteiro. Era apenas nessa caminhada que, livre, podia pensar, quase filtrar, tudo o que havia se passado de manhã. Um processo bem simples, formador de grandes opiniões que me apóiam hoje, me sustentando neste ballet de “sou-o-que-sou”. Muitas das afirmações que hoje faço com muita certeza são baseadas em conclusões a que cheguei enquanto andava sozinha da escola para casa. Engraçado, não? uma caminhadinha tão subestimada que me trouxe tanto para a alma!


* trecho da música "Primeiro andar", Los Hermanos

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sensibilidade ou cultura?

Agora em novembro assisti nas aulas de Ensino Religioso, por algum motivo, o filme baseado no best-seller O menino do pijama listrado. Todas as meninas choravam, enquanto os meninos riam de seus olhos inchados, e foi então que eu ouvi tal declaração:
"vocês meninos não são sensíveis o bastante para entender a sensibilidade deste filme!"

Fiquei encucada: não achei nada de nada sensível. É um filme muito bonito, é verdade, e uma história bem contada e muito bem amarrada, apesar de bastante óbvia. Mas, sensível? Não sei se este é o rótulo mais preciso.

Lembro-me que assistimos este filme mais ou menos na mesma época do incidente do restaurante coreano aqui em São Paulo, sabem? Em que 60k de carne de cachorro e gato foram apreendidos pela polícia em um restaurante coreano. Um crime absurdo!

Agora, por quê?

Porque a imagem do cachorro, em nossa cultura, é equivalente a imagem de um ser humano. Não é? O cachorro, afinal, é o melhor amigo do homem, certo? É apenas dá-lo um nome e pronto, cria-se um vínculo afetivo breve, porém fortíssimo. Além do mais, quantos de vocês já não tiveram, quiseram ter ou ainda têm um cachorro? Quando se ouve dizer que se comiam cachorros, sua memória não se direciona automaticamente ao cachorro mais próximo de você, ou seja, aquele que tem o seu carinho. A imagem que se tem, na maioria dos casos então, não é semelhante a de se alimentar de um primo ou mesmo irmão?

Agora, voltemos aquele ponto de antes, a sensibilidade dos best-sellers.
Já leu Marley & Eu? Se não, tenho certeza que viu pelo menos  a capa. É um labrador, certo?, pequenininho, com cabeça de lado, olhos redondos e orelhas caídas. Este é o Marley. De acordo com a cultura da sociedade em que você vive, ele é fofo. Muito fofo. E tem um nome, portanto é um "alguém" de verdade. Então é claro que - cuidado, spoiler - quando Marley fica velho e naturalmente caminha em direção à luz, você chora. É o melhor amigo do homem, que se assemelha de alguma forma com a sua realidade, e que morre. (E a morte também é definida culturalmente como uma coisa trágica, merecedora de lágrimas e tristezas, não é?)

A mesma coisa acontece com O menino do pijama listrado. São crianças, pôxa vida. E o pior (cuidado, spoiler) - reinterprete as suas lágrimas: é muito provável que tenha chorado por que o garoto alemão  morreu, já que o judeu obviamente morreria no final. São duas crianças pequenas, portanto são inocentes e apenas curiosas. É uma pena morrerem, já que eram somente crianças, certo? Será que não é por isso que chora?, pois são crianças, e há uma forte imagem angelical vinculada a juventude. Se nos apoiamos na questão da inocência, então, as lágrimas aumentam, pois "somem os motivos e justificativas" meramente plausíveis para o seus tristes fins.

Será que compreende o que digo?
Pois é uma característica cultural da sociedade em que você vive, leitor. Chorar lendo qualquer um destes livros não prova a sua sensibilidade, mas o seu mero senso de humanidade. E o seu grau de participação em sua cultura.

O que define a sensibilidade de uma história/literatura são fatores maiores e mais complicados e - no meu ponto de vista - altamente relativos. Aconselho-lhe a não se apoiar na lista dos mais vendidos para definir-se ou mostrar aos outros quão grande é o seu coração.
E, cuidado com as afirmações que faz.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Breve esclarecimento sobre literatura africana

Sempre me impressionou a rapidez com que as coisas mudam. Em março, por exemplo, não poderia imaginar que estaria aqui hoje, escrevendo este post. Mas já que mudam assim, sem termos o mínimo controle, simplesmente acompanhar é a nossa única opção.

Logo no começo do ano escolhi, como primeira opção, cursar o Projeto de Literatura Africana (de países lusófonos). Estranha escolha, muitos me falaram, às vezes com uma simples careta ao invés de palavras. Mas nada disso me incomodava, afinal fiz esta escolha por ter certeza do que quero para o meu futuro: estudar literatura. Todo e qualquer conhecimento que adquirir agora me trará benefícios depois. Percebi o quanto é difícil para as pessoas compreenderem e aceitarem uma produção cultural africana que seja mais que barulhos corporais e danças folclóricas. Foram inúmeras às vezes em que me encontrei diante de: “ah, e África lá tem literatura?”. Mas nada disso me atingia. A monografia que Ana e eu escrevemos para o Projeto, como um simples trabalho escolar, acabou se tornando uma atividade extracurricular. Fomos convidadas pela professora para tentar nos inscrever na FEBRACE. (Está lá, inscrito. Agora só nos resta esperar.) Esta possibilidade de continuação do trabalho fez com que muitas discussões e análises se fizessem necessárias, o que nos transformou em duas defensoras ferrenhas da literatura africana. Comentários e desprezo para com essa literatura já não são mais permitidos perto de nós, que com nossos humores costumeiros, fazemos questão de exibir o nosso incomodo. É difícil o ouvinte entender o porquê do sermão – e, por ter a ferramenta e finalmente, o tempo – decidi escrever-lhe e esclarecer tudo.


Desconsidere, antes de tudo, qualquer que seja a sua visão sobre literatura. Ignore, por alguns momentos, os “objetivos” que enxerga em qualquer produção literária. Pensar que livros são feitos somente para o divertimento do povo alfabetizado, para lhe servir de passatempo; escritos apenas por figuras excêntricas e reservadas, que gostam de questionar o mundo ao seu redor e lhe expor seus pensamentos íntimos, suas idéias e opiniões avançadas para as suas épocas; análise da sociedade; produtos feitos exclusivamente para o mercado – são todas visões parciais. Tipos idealizados de escritores foram criados, obedecendo tais objetivos. Paira um ar de classe média alta enquanto se pensa em literatura norte-americana. Da produção britânica, então, nem se fala! E é então que chegamos aos estereótipos africanos – vários países sofrem com problemas sociais, econômicos e políticos, e ainda há o bom e velho preconceito racial, para dar o toque final neste pacote de insensibilidades – que esbarram nas nossas imaginações e nos impedem de pensar em qualquer produção literária na África. Mas as coisas, obviamente, não são bem assim.


Angola, o país por nós estudado, fortaleceu a sua produção durante o período colonial, pois fez da literatura uma ferramenta de resistência, utilizando-a para a construção da identidade cultural angolana e na luta pela independência do país. Os intelectuais participavam efetivamente das guerrilhas, com armas nas mãos. Pepetela, intelectual angolano, fez de sua novela As aventuras de Ngunga uma ferramenta para a alfabetização e educação de guerrilheiros. Os "objetivos" da literatura angolana saem dos padrões por nós estabelecidos, e por isso pode nos parecer estranho uma produção literária feita para libertar um povo do regime colonial que os controla.

O escritor contemporâneo estudado foi Ondjaki, que nasceu após a independência angolana (1974) e, portanto não lutou em guerrilhas, mas escreve com um viés autobiográfico, narrando histórias de sua infância, indicando uma mudança na literatura angolana. Ao contrário do que se é dito, a literatura angolana pode sim ser considerada de muita qualidade, mesmo quando não relacionada com guerrilhas e lutas pela libertação. É quase um absurdo dizer que escritores angolanos podem apenas criticar e reinvindicar a situação social de seu país, sem poder inserir em seus textos, memórias e sentimentos. Ondjaki é uma prova viva disso.

Moçambique segue uma trajetória semelhante, pois também foi uma das últimas colônias portuguesas a se tornar livre.
A tese ainda continua. 30 páginas quase, com citações e uma bela formatação. Foi um longo, mas gratificante trabalho, que nos deu a possibilidade de escrever, hoje, um post em defesa à literatura africana. Não há mais justificativas para qualquer descaso ou desprezo; o básico lhe foi explicado. Não esperamos que se interesse por este assunto, assim como aconteceu conosco, mas peço pelo menos que perceba o que é a tal literatura africana, e o seu verdadeiro valor.
E não nos venha mais com comentários impertinentes.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Lágrimas e Klinex

Fazia tempos que não me entristecia assim. Já me era quase um sentimento desconhecido, clandestino em meu pequeno coração. Meu corpo via-se seco e esturricado por dentro, ligações internas quase rompidas. Talvez foi o desacostume, é verdade, que fez com que todas as cores parecessem borradas, e as linhas indefinidas diante de meus olhos mareados de lágrimas salgadas. Bochechas úmidas e nariz escorrendo, sentia os lábios entortarem com força para segurar qualquer outra lágrima que restava-me ainda pendurada nos cílios, que traria consigo uma outra longa enxurrada.
Sentava-me no escuro sozinha, patética - invisível porém. Dialogava com as sombras que via rondar os meus olhos, e aconchegava-me no quente do edredon amassado feito um colo carinhoso. O escuro respondia-me, tudo aquilo que desejava, ouvia de novo as palavras gaguejadas que saiam em um impulso incontrolado. E então, deixava-me ser no silêncio solitário, eu apenas e meus pensamentos. Terríveis pensamentos, que de vez em quando trazia-me de volta à memória todos os sofrimentos de momentos atrás, e dava de novo aos meus olhos motivos para transbordarem.
Fazia tempo, é verdade, que não me sentava naquela posição tristonha, e me encontrava de repente, com aquele tal espírito escritor que reside alguma parte de mim. Engordara, acredito eu, desde a última vez que nos encontramos nesta mesma situação. Pois foi quase instantaneamente que os meus dedos molhados de lágrimas enxugadas começaram a formigar. Sim, minha mão formiga sempre que tenho em minha cabeça, palavras exaltadas crescendo-se em frases emocionais. E as benditas palavras vinham me violentas, uma após a outra, em orações lindíssimas que acabaram por se perder na minha imaginação incontrolável. É-me normal, porém, perder idéias de repente.
Todas as lágrimas secaram, sim, e senti que meu nariz já não estava mais vermelho. Meus lábios, agora talvez, acompanhavam sussurrando as várias idéias que me brotavam no pensamento, nada que eu conseguisse perceber ou controlar.
Acho que então adormeci, vestida neste outro espírito que me toma nas horas mais inesperadas. Pois então não me encontrava mais no escuro, como antes havia me deixado. Não havia sombras ao meu redor, nenhuma, tampouco conforto. Estava ali apenas eu, em mais ninguém – incríveis ossos fracos, e uma pele sensível que mal os cobria. Mãos pequenas e grandes olhos, sim, foi isso o que vi enquanto me observava em alguma poça qualquer. Enxergava nas veias verdes o fluxo estranhamente lento do sangue quente e grosso. Só por isso soube que ainda vivia.
O cenário eu não entendo, até hoje. Procuro em lembranças, mas o que vejo, na realidade, são dois olhos enormes – meus, eu sei – que brilhavam com a mesma tristeza que fora derramada por todo o escuro compreensível. E não é que ainda lhe escorriam lágrimas, enormes gotas de água pesada, que contornavam as bochechas e pingavam pelo queixo, sem qualquer controle e sem mais nenhum motivo aparente, pois até esse já havia desvanecido. É só isso que me lembro, dores injustificadas e sem controle.
Sei bem que era um sonho. Pois é apenas em sonhos que os objetos mais desejados lhe aparecem nas mãos como em um passe de mágica – e em um movimento vi em minhas mãos um lenço de papel. Papel grosso, reparei com as pontas dos dedos ressecadas. Mas precisava secar as mágoas que me escapavam. E ao dobrar o papel da forma que sempre o faço – na metade, horizontalmente – vi palavras desenhadas em tinta azul, minha letra, por todo o papel. Frases, por mim mesma pensadas, que causavam-me ainda vergonha, mesmo quando lidas em silêncio para os meus próprios ouvidos. Sempre fui tão reclusa...
Mas relembrando as idéias e palavras que de mim um dia fluíram livremente, todas as mágoas exageradas que transbordavam de meus pobres olhos foram se tornando ainda outras idéias e palavras, frases ainda mais completas e histórias ainda mais significantes.
Sumiram quase todas, as lágrimas. Hoje, são-me raras. Mas o soberbo espírito escritor cresce mais e mais em mim todos os dias em que sinto aquela necessidade oculta de achar-me no escuro solitário das sombras reconfortantes. Os lenços portanto são agora usados em mais frequência – tenho até a minha própria coleção.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Dúvida

Seu rosto espinhoso se alongava em frente ao espelho comprido. Seu cabelo oleoso se formava como se duas grandes ondas em sua testa, grudadas às orelhas. O Sol do fim da tarde batia em seu rosto, fazendo seus dentes amarelados quase bonitos. Mas não se importava agora com qual aparência estava, já que projetos de lágrimas se acumulavam densas nas beiradas de seus olhos. Importava-se bastante, porém, com o tom exageradamente vermelho que o seu nariz assumira nos últimos segundos, acompanhando a marca ridícula que se formava ao redor de sua boca, igualmente vermelha como um batom mal passado, sempre que ameaçava chover. Seus lábios pareciam inchados, e seus olhos, menores. Sentada na cama, a certa distância do espelho, observava seu corpo dobrado, assustada com a estupidez da situação. A porta fechada dava-lhe a segurança para chorar os prantos que lhe viessem em segredo, mas a cabeça vazia não permitia pressa. As lágrimas presas sequer molhavam seus curtos cílios, e o nariz que fungava também não mostrava mais do que um blefe. Lembrava, sim, qual era o motivo pelo o qual deveria estar se acabando em prantos naquele exato momento, mas não conseguia mais sentir o motivo empurrando-lhe as dores para fora. Então encarava o espelho como se pudesse reviver com os próprios olhos vermelhos os momentos anteriores, para talvez, com alguma força extra, pudesse chorar de uma vez e acabar com tudo aquilo. Olhava para o rodapé encardido, uma grossa camada de poeira o encobria, e pensava na frustração que seria ter de caminhar daquele quarto, sorrateiramente, com o nariz e boca marcados com provas da tristeza, mas sem ter derramado nenhuma lágrima sequer. Passeava o olhar perdido pelo quarto, procurando algum passatempo para mantê-la trancada ali – vai que a sensação volta – e encontrou pendurado na porta do guarda-roupa, como sempre, algo que sem querer lhe interessou. Não havia nada de diferente, mas tomada pela sensação de vingança que subitamente substituira a tristeza, sentiu seu sangue subir ao rosto e enrubescer as bochechas enquanto encarava o que não se passava do colar favorito da outra. Presente seu, em alguma data comemorativa que já não se lembrava mais qual era, o colar colorido já havia sido visto muitas e muitas vezes pendurado no pescoço da outra. Queria vingança? Sim, mas não sabia que era isso que aquecia seu corpo e empalidecia o nariz até o seu normal. Pois se lembrava muito bem – e como havia de esquecer – dos longos dias que passavam no silêncio que tomava conta de todos os cômodos da casa, sugando todo o ar saudável do ambiente e transformando as mais longas tardes em puros momentos de tortura. Poderia haver palavras, se quisesse, mas seriam todas devolvidas com um tom afiado que lhe machucaria mais. O silêncio era apenas asfixiante, as palavras eram golpes de adagas nas mãos desprotegidas. E por mais que lhe implorasse uma explicação, sabia que não lhe seria direta, apenas um olhar torto que a faria se questionar, talvez, para sempre – era aquilo, afinal, sua culpa? Não poderia ser, e esta sua negação desesperada parecia-lhe tão ridícula que a fazia acreditar que sim, ela causara aquilo. E sua insensibilidade era, inclusive, tanta, que não conseguia nem perceber o quanto era culpada. Perguntava-se, confusa, se deveria implorar-lhe perdão e misericórdia. Os dias se passavam engolindo saliva seca, tomando a coragem para o contato direto e uma resposta inimaginável. Mas, trancara-se no quarto. E começavam a surgir pensamentos controversos, que questionavam a própria certeza incerta que lhe palpitava no coração. Sabia que não era insensível. Sabia que não poderia ser sua a culpa de tão súbita crise. Afinal, não tinha nem a força em seus ossos para causar problemas tão grandes. Era pequena, sim, de mente e de alma. Fraca para os parâmetros por si estabelecidos para sua motivação e comparação. Não era competitiva, só queria ser maior do que o mundo. E naquele momento, enclausurada opcionalmente, não sabia mais se poderia ser maior do que o mundo. A dúvida incessante que lhe martelava a moral e a fazia questionar de si ou da outra o tempo todo, cansava-a. Não queria mais essa vida de incertezas e sufocamentos. Não. Segurava com as mãos meladas as miçangas coloridas do colar da outra. O suor de suas mãos não era nervoso, mas tirava do corpo o excesso de raiva que se formara lá dentro. Era demais para tal corpo frágil. O rosto agora ainda mais pálido do que o normal guardava o olhar intenso que procurava inconscientemente no quarto fechado alguma forma cruel de vingança. Inconseqüente se sentia, e a fazia bem. A janela aberta foi o último lugar para o qual olhou. Estavam a muitos metros de altura, e com um pouco da força que sabia que poderia encontrar em si na hora certa, poderia jogar o precioso objeto para a rua que se estendia na frente do prédio velho. Não haveria evidências, restos, sujeira. Era apenas jogar. Pôs se de pé em frente ao espelho, não duvidou da força física, não pensou na negligência. Na frente da janela, com o Sol banhando-lhe o torso e cabelos compridos, e esperando ainda para aquela força a encontrar, esmagou o colar em suas mãos agora também geladas. Não a machucou, não o danificou. Demorou-se em frente à janela aberta, olhando para os carros que lá embaixo passavam em alta velocidade. A vingança parecia-lhe injustificável, mas necessária. Aquela dúvida a perturbava há dias agora e o silêncio formou-se como um bloqueio em uma garganta. Precisava de um barulho, provar-lhe que sim, ainda ouvia, uma interrupção à tortura discreta. Não seria exagero, certo, querer acabar com o questionamento que a maltratava. Mas ainda estava, porém, com o colar preso em sua mão, a força não havia a alcançado e as dúvidas aumentavam e mudavam de forma, enquanto a velha certeza se desmanchava e uma decisão precisava ser feita. Sabia agora, com certeza, que seria em demasia exagerado, mas já estava na metade do caminho. Os colares pendurados na maçaneta da porta balançavam naturalmente enquanto ela se observava no espelho, suas maçãs do rosto rosadas, olhos secos e brilhantes.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O pior som da música

A montagem brasileira do musical A Noviça Rebelde, ainda em cartaz, já levou milhares de pessoas às salas de teatro do Rio de Janeiro e São Paulo. Adaptado do filme de 1965 (de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II) a peça remonta com fidelidade a história de Maria Reiner, ex-noviça, ao se tornar babá das sete crianças Von Trapp e se envolver na história de amor mais sincera de todas. O filme é deveras lindo, um dos meus favoritos de todos os tempos. Quem poderia esquecer, afinal, a graça de Julie Andrews no papel de Maria, sua harmonia com a personagem e – claro – a sua voz que traz às canções a paixão necessária. Julie, por si só, é o principal motivo do sucesso do filme, e nunca pensei que algo fosse capaz de estragá-lo. Até assistir a peça brasileira. Já sabemos que nada bom vem de adaptações, apenas talvez, quando estas juntam os originais com elementos exteriores, e conseguem criar uma coisa completamente nova. Então, podem até ser boas. O próprio filme é um bom exemplo, pois foi adaptado da peça da Broadway, que por sua vez foi baseada na vida real de Maria Reiner e Georg Von Trapp. Mas a montagem atual, bom, esta não se passa de uma adaptação mal sucedida mesmo...

Comecemos pelo começo: as músicas. Rodgers e Hammerstein fizeram um ótimo trabalho ao escrevê-las, e Charles Möeller e Cláudio Botelho fizeram um trabalho completo ao acabarem com toda a sua magia. Por todo o espetáculo, paira no ar uma forte impressão de que o Google Translator foi hiper utilizado. Por exemplo, na música “Maria”, que contém o verso “cabeça de vento/ biruta lelé/ tãn-tãn” TÃN-TÃN? Jura que não há nada melhor do que tãn-tãn? Ou então durante a “Dó-Ré-Mi”, conhecida e adorada por tantos, em que se podem encontrar coisas como “Lá é lá no cafundó.” E estes são apenas dois pequenos exemplos, não vou nem comentar como “Edelweis” teve o seu propósito e sensibilidade destruídos com a atuação de Saulo Vasconcelos.

Lembram-se quando falei de Julie Andrews, de sua graça, harmonia e quase perfeição? Pois então, Kiara Sasso não tem nada disso. Respeito muito a profissão de atores, principalmente atores de teatro que devem cantar, e apesar de todo o seu sucesso em O Fantasma da Ópera e A Bela e a Fera, não acertou com Maria. O tom nasal que incorpora nas músicas, junto com a sua irritante mania dze pronunziar zes em todaz az palávraz que não zão ezcritaz com zes, como se estivesse brincando de pick-a-boo com uma criança de um ano e meio o tempo todo, trazem apenas desonra para Julie Andrews. Ah, sim, para a verdadeira Maria Von Trapp também... Isso mesmo, Von Trapp, e não Fon Tráppi, como todos insistem em dizer o tempo todo.

Uma última observação. Na montagem brasileira, assim com na de Broadway, a Baronesa Schraeder e o Tio Max cantam. Têm duas ou três musicas que expressam suas superficialidade e ganância. No filme, porém, eles não cantam. O que é ótimo, pois parece trazer um argumento a mais – e bem importante – para justificar o amor e casamento de Maria e Georg. Afinal, ela trouxe de volta a musica para a vida dele, fez ressurgir a sensibilidade que há muito se escondera. Os dois juntos, mais os sete filhos, são a Família de cantores Von Trapp. Se a Baronesa canta, ela pode fazer parte da família, e tudo o que resta para tentar juntar Maria e Georg é o amor puro, e este não tem a menor graça. É errado fazer a Baronesa cantar, se a não-cantoria dela faz muito mais sentido.

Como já devo ter dito antes, A Noviça Rebelde é um dos meus filmes favoritos. Devo ter o assistido umas nove vezes e meia, o que dá em torno de 28 horas de minha vida. Isso pode ter interferido na construção de minha opinião sobre a peça, é verdade, mas mesmo assim foi completamente insatisfatório.  

domingo, 16 de agosto de 2009

O dia em que a noite não veio

Eram férias de dezembro, alguns dias antes do Natal, se não me engano. Minha irmã mais velha segurava em seu colo o meu pequeno irmão agitado, que resistia bravamente a todas as nossas sugestões de obedecer a rotina estabelecida nas noites dos dias letivos: banho, janta, sono. Fazíamos proposta, chantagens, mas o miúdo gritava "Não!" para tudo o que dizíamos. Foi então que, já se pendurando de ponta cabeça nos braços de minha irmã, o pequeno jogou sua ultima carta: "Mas não está nem noite ainda". É verdade, olhando pela janela e vendo o Sol alaranjado brilhando baixo no céu roxo, nem se desconfiava que já se passara das sete e meia há muito. A resposta foi rápida e tão astuta quanto a jogada da criança: "É porque é verão, querido. É dia mesmo quando é noite."
Boom!
Ah, a simplicidade da frase, a inocência da fala. Meus irmãos nem desconfiavam que martelava agora em minha cabeça uma imagem, bem forte, de um grande terreno, gramado verde e bem cuidado, e uma casa enorme e térrea, mais ou menos no meio do terreno. Uma grande varanda haveria nesta casa, tomando conta de toda a sua frente, e nela, balançando em uma cadeira que não balançava quando nova, um senhor de mãos fracas e cabelos brancos, finos. Aos seus pés, crianças, várias. Observavam o céu noturno que se derretia com o Sol brilhante. No rádio, alguma voz rouca e abafada diria "é dia mesmo quando é noite". Era um conto. Sem personagens ou nomes, apenas uma narração cansada - esta, minha mesmo - de certos acontecimentos que trariam consequências, não sei se para ti, mas com certeza para mim.
Naquela noite, quando fui dormir, já havia esboçado em minha cabeça o conto, que escreveria e postaria no meu blog no dia seguinte. Não tinha título ainda, mas pensaria nisso depois. Meu irmão, que se rendera ao sono há muito tempo, respirava o ar pesado do quarto escuro, ruidoso, ressonava o pequeno. Adorava estes momentos, que respirava fundo no meio de seu sono e se mexia na cama, como se completamente mergulhado em sua, aparentemente, pequena imaginação. Sentei na cama e pensei, ainda não sei por que pensei, que há muito tempo não tinha um sonho que conseguisse me lembrar de manhã.
Boom!
Pois naquela noite mesmo, enquanto a temperatura vacilava, os gatos miavam e a noite existia, sonhei um sonho que consegui lembrar de manhã. Estava eu - com meu corpo, minha cara, minhas mãos e cabelos - em uma livraria. Era escura como a Fnac, mas lotada como a Livraria Cultura. Vi, bem no meio da loja, em uma daquelas estantes que servem para chamar-lhe a atenção para lançamentos, um livro de capa azul royal, letras brancas e grandes. "O dia em que a noite não veio" dizia, com o meu nome escrito embaixo. Estranho, sei que pensei. Arrisquei-me, abri o livro, e a lá Coração de Tinta, encontrei-me em uma casa muito parecida com aquela que havia imaginado antes, só que menor, com apenas um quintal e em uma rua movimentada, com várias casas parecidas. Uma mulher lindíssima cortava cenouras na cozinha, enquanto outra assistia e lhe fazia perguntas. Ouvia, ao longe, uma narração aflita. Observei enquanto a história se contou na minha frente, sempre acompanhada da mesma voz carente, até que, ao chegar ao fim, os cenários se desmancharam. Ouvi congratulações de meus pais, e meu irmão, agora adolescente e cheio de espinhas, dizia-me que "até que curtiu".
Quando acordei naquela manhã, com gritos suaves de meu irmão que, já impaciente, mas ainda criança, queria que eu acordasse para que pudéssemos sair, lembrei-me daquele sonho, junto com pensamentos como: será que tenho agora um título para o conto? Escovava os dentes, ainda meio dormindo, rindo-me do sonho louco que havia tido - e que conseguia me lembrar muito bem. Foi então que me brilhou uma ideia: fazer daquilo um livro, de verdade. A minha proposta original para mim mesma, era, claro, esperar vários anos até que, com a cabeça já convencida de que escrever é possível para todos, escreveria o livro e nadaria em prazer ao ter meu nome reconhecido nas livrarias de São Paulo. Bateu-me, de repente, outro pensamento (Boom!), este mais arriscado. Um choque de adrenalina correu pelo meu corpo, e me olhei no espelho me perguntando se havia mesmo pensado naquilo: por que não escrever o livro agora? Ideia absurda, óbvio, porém muito atraente, e me acompanhou o resto do dia. Sabe, para qualquer pessoa com medo da ganância, um livro inteiro é um passo grande demais para ser feito de uma vez só, mesmo para aqueles que arriscam um conto de vez em quando.
Passaram-se alguns dias, Natal, Ano Novo, 16 de janeiro, e então 17 e 18, e de vez em quando pensava na tal ideia. Até que me resolvi, escreveria um livro, mas em segredo. Contaria apenas para aqueles que eu achava que gostariam de saber, e só depois de tê-lo pronto em minhas mãos. Claro que não deu certo. Pois presa nessa ansiedade de escrever algo tão significativo em minha vida ainda tão curta, não conseguia pensar em um nome para a minha personagem principal, aquela mulher lindíssima. Guardando o segredo com todas as minhas forças, perguntei às minhas amigas "quais nomes gostavam, mas não poriam em suas filhas". Disseram-me vários, rejeitei-os todos, até que, como se do nada, uma amiga disse "Maria Iolanda"
Boom!
E o rosto que tinha imaginado tornou-se ainda mais completo e claro. Nome e rosto se combinaram em uma harmonia que não podia negar. Yolanda seria o nome da personagem principal do meu livro. A outra, bom, esta também era importante, mas ainda não tinha forma. Encarnei - sim, em mim mesma - a voz aflita que acompanharia a história. Dei-me a responsabilidade de fazer parte da história. "Escritores mudam de forma, transformam-se ao escrever" ouvia a voz de uma antiga professora de português ecoar em meus pensamentos. "Você pode ser o que quiser" ouvia uma apresentadora de um programa infantil de TV dizer no final de seus programas diários. Passei a ter em mim, guardado e escondido, outra pessoa que se parece muito comigo, mas que tem em si algumas diferenças sutis e julgadoras.
Cansei de tê-la em mim, sugou-me uma parte de minha alma e grudou-a no papel, mas hoje, respiro de novo, sozinha, o ar inspirador que respirava antes, sozinha.
Pois hoje está pronto. Ou quase. Não sei se já tenho em mim a coragem de imprimi-lo e ter, em minha próprias mãos, o resultado apalpável de minha dedicação e trabalho. Concretizá-lo seria acabar com todas as minhas chances de desistir de tê-lo. Acho que, mesmo depois de tantos meses, ainda não me acostumei em ter em mim mesma um espírito escritor corajoso. Permita-me ser covarde por mais um tempinho, muito curto eu prometo, e aproveitar os últimos segredos que guardo.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Paciência, paciência...

É a única coisa que ainda posso pedir àqueles que constantemente me perguntam como vai o meu livro. Recebem como resposta alguns segundos de silêncio ou um simples sorriso envergonhado que quer dizer muito mais do que parece, explicações enfadonhas e enroladas para o todo este meu mistério e não desistem de perguntar de novo e de novo.

Apenas entendam: não é que não quero contar-los o que sei sobre meu livro. Eu quero. Muito.

Mas o forte espírito da pseudo-escritora que me domina de vez em quando faz com que a surpresa e o segredo pareçam divertidos demais para serem desaproveitados desta forma tão crua. Além do mais, qual é a graça em ler uma história que já se conhece? Aprenda a aproveitar as coisas simples: a expectativa e a curiosidade fazem com que as histórias pareçam ainda mais legais do que realmente são.

Como este elemento surpresa é indispensável para uma leitura prazerosa e, conhecendo o meu descontrole labial, é melhor que eu fique absolutamente quieta até terminar o livro todo. E isso inclui a revisão, que não está nem programada.

É melhor mesmo, mas não o farei. Quem me conhece sabe que não tenho essa capacidade.

Mas é por uma boa causa, eu juro. É por isso que escrevo este post.

Preciso de ajuda com o título do bendito, acho o atual um tanto bobo. Mas não consigo me desprender dele, por motivos afetivos – afinal, veio-me pronto em um sonho, junto com todo o enredo. Foi a partir dele que toda essa loucura começou, então como posso eu desprezá-lo desta forma tão cruel?
(Entende agora toda essa demora? E se fosse este o maior dos meus problemas...)

Bom, de qualquer maneira, peço a colaboração de meu colega leitor, responda-me com toda a sinceridade. E esta resposta pode ser feita anonimamente aqui nos comentários, ou pode mesmo me falar, se preferir, assim, imensamente.
Você leria, por vontade própria, um livro chamado “O dia em que a noite não veio”?

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Alea Jacta Est

Após muito tempo considerando e desistindo da ideia de fazer algo mais arriscado, tomei uma decisão... Aviso, portanto, que o blog ficará sem novidades durante algum tempo, pois estou - orgulhosamente - escrevendo um romance.

Assim que pronto, retomarei as minhas responsabilidades blogueiras.

Desejem-me sorte e obrigada.