quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O Cravo de meu Avô

Estava tranquila quando recebeu o comunicado. Que tédio, pensou. Almoçaram calmamente, um almoço de família muito mais quieto do que o esperado. Todos os seus tios e primos encaravam para os próprios pratos, suspirando um por vez.

Entraram nos carros e se perderam no meio de tantas ruas estreitas e compridas. O moleque ao seu lado não parava quieto, chutando e berrando a cada lombada.

Finalmente chegaram, compraram um buquê de flores amarelas. Ela odiava flores amarelas, porém, quase chorou quando a vendedora lhe entregou um único cravo amarelo. Cravos são flores que ela considera inexplicáveis. Lindas, mas inexplicáveis. Segurou-a na mão como algo precioso, prometendo-lhe segurança e conforto, quase prometendo amor, mas isso era algo que ela não sabia se conseguiria cumprir.

Passaram pelo portão enferrujado, que mesmo sem se mexer, rangia.

Caminhavam pelas ruas tortas e tranquilas, todos os oito. Ela desviou de uma barata ou duas, contorcendo seu rosto até uma careta aparecer. Os 0utros que a acompanhavam não aguentavam mais ouvi-la reclamar. Mas também não falavam para fazê-la parar. Ela tem o direito de falar o que quiser, pensavam todos.

Ela ainda segurava o cravo bem seguro na sua mão. Sentia sua palma suar, mas não tinha coragem de mudá-la de mão, com medo que ela caísse.

Andaram por mais ou menos sete metros. Foi uma caminhada tão curta e insignificante, que ela precisou começar a inventar desculpas para fazê-la parecer, pelo menos, dolorosa. Começou, então, a ler todos os nomes e sobrenomes que estavam escritos por ali. Eram muitos nomes, e ela fazia um esforço tremendo para não rir de nenhum deles - ela era "sem noção, mas não desrespeitosa!

Olhava para as fotos lá expostas, de pessoas velhas e feias e tortas e não vivas. Fotos parcialmente cobertas com a poeira que dominava o lugar.

Como ela odiava tudo aquilo.

Tudo menos a flor, que ainda estava viva entre os seus dedos.

Sem mesmo perceber o que fazia, sempre olhando para as fotos, ela tropeçou no próprio pé e caiu de boca no chão de cimento rachado. Ficou lá deitada de barriga para baixo por alguns instantes, enquanto seus familiares riam de sua cara. Com o queixo ralado, e as palmas das mãos ardendo, ela percebeu que tinha caído em cima de sua flor. Quando pegou-a, amassada e diferente, pôs-se a chorar. Chorou como nunca tinha chorado na vida. Três lágrimas desceram de seus olhos, bem devagar, sem fazer nenhum barulho nem nada. Foi tão silencioso, que ninguém percebeu, então ela também fingiu que não tinha acontecido.

A flor, mesmo amassada, era tão perfeita que ela não poderia - de forma alguma - jogá-la fora. O Cravo era o tipo de coisa que ela ia guardar até que achasse alguém digno de possuí-la. Então mesmo amassada, ela continuou a levar a flor com ela, segurando-a apertada na mão, perto do coração.

Finalmente, viraram aquilo que podia ser chamado de esquina, que dava em uma ruazinha ainda mais estreita do que aquela em que estavam.

Enquanto seu pai mostrava muita dificuldade para acender os incensos que tinha comprado, ela pensava, observando a folhinha deitada no chão, que não se mexia, que estava parada, mas que, ao seu ver, tinha um movimento lindo. O Cravo ainda estava seguro entre seus dedos, e ela começava a se sentir um pouco melhor ao ver que a flor ainda estava um pouco viva.

Pensava profundamente, sobre tudo que tinha visto naqueles últimos momentos. E ela tinha visto muita coisa, coisas que ela nunca tinha reparado antes. Quando finalmente levantou sua cabeça, deu de cara com a foto daquele que eles foram visitar. Seu avô.

A foto de seu avô, diferentemente de todas as outras, estava limpa. A sua expressão rabugenta, a única da qual conseguia se lembrar, estava tão limpa quanto dia ensoralado na praia. Ela estranhamente ficou feliz, e não conseguiu guardar o seu imenso sorriso quando, gentilmente, colocou o seu Cravo Amarelo junto da foto de seu avô.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A barraquinha da venta

Na tarde de ontem eu vi algo que me machuca até agora. Então imagine você, leitor,o tamanho do meu sofrimento antes de começar a me julgar. Para você me entender melhor eu te explico que foi mais ou menos isso que aconteceu:
Estava no parque sozinha, tomando um sorvete, muito feliz comigo mesma e com a minha decisão de ter ido sozinha ao parque. Eu não costumo ir sozinha em lugar nenhum, na verdade eu geralmente estou rodeada de amigos queridos. Mas bem naquela tarde, bem quando eu estava morrendo de vontade de tomar um sorvete de morango do moço da barraquinha do parque, nenhum dos meus amigos pode ir comigo. Todos eles estavam ocupados com os seus coelhos e seus cabelos, e eu não os culpo por terem preferido lavar o cabelo do que ficar comigo - afinal, cabelo lavado é essencial.
Liguei para todos que conheço e gosto, mesmo para aqueles que não falava fazia tempo. Ninguém podia ir no parque comigo. Posso até dizer que fiquei um pouco magoada quando eu soube que ninguém poderia ir comigo. Estava com muita vontade de tomar aquele sorvete, mas não queria tomá-lo sozinha - afinal, quem anda sozinho é por que não tem amigos de verdade, e eu tenho milhões de amigos de verdade.
Porém, depois de tanto pensar e pensar, eu decidi ir sozinha tomar o meu sorvete. Talvez, depois que eu acabasse eu passaria na casa de uma amiga que mora perto do parque.
Quando cheguei lá, comprei o meu sorvete e o dono da barraquinha e começamos a conversar. Ele era um senhor muito simpático, velhinho, gordinho, careca e fofinho. Me perguntou de onde vinha e para onde ia, e eu lhe expliquei "venho da minha casa, e estou indo passar na casa de uma amiga. Decidi parar para tomar um sorvete, já que teria que passar aqui perto, de um jeito ou de outro." Conversamos por um tempo e eu gostei tanto dele que comprei um segundo sorvete.
(Pois é leitor. Agora eu preciso contar para você o que foi que eu vi. E eu peço desculpas por isso, por ter que lhe causar este tipo de sofrimento, mas é que eu preciso que alguém entenda a minha dor, já que os meus amigos não querem nem tentar. Então, prepare-se, e eu peço que me perdoe pela cena que vou descrever agora.)
Ao comprar meu segundo sorvete, percebi que não tinha mais dinheiro trocado na carteira. Então perguntei para aquele senhor se ele poderia me trocar o dinheiro. Ele pegou a nota que eu segurava da minha mão, e procurou por trocados na sua pochete.
Foi então que aconteceu. Ele, tão inocente e mas tão malvado, fez a pior coisa que poderia ter feito na frente de uma dama como eu.
Ele - simplesmente - cutucou o nariz e - com a mesma mão - me deu o troco que eu precisava.

domingo, 17 de agosto de 2008

Retrato de um Sábado

Era sábado de manhã, mãe e filha sentadas no sofá comendo cereal e vendo televisão. A mãe, de repente, olha para o céu fora da janela e diz "Que dia lindo!" A filha, com a boca cheia de cereal e sem desviar os olhos da televisão responde "Não, não. Está muito quente." A mãe, um pouco decepcionada volta a olhar para a TV, dá mais uma colherada de seu cereal e não fala mais nada.
Saem para almoçar, e a mãe muito feliz, comenta "Hoje a comida está muito boa." A filha faz uma cara de nojo e retruca "Está muito salgada."
Depois do almoço vão para o cinema, vêem um filme que a mãe acha maravilhoso, mas que a filha acha sem graça.
Estão no carro voltando para casa, a mãe olha para o pôr-do-sol e fala "Olha que lindo este pôr-do-sol." A filha, com os braços cruzados em cima da barriga, comenta mal-humorada "Ah sim, essas nuvens escuras e essas buzinas escandalosas são maravilhosas."
Chegam em casa, sentam no sofá para ver televisão, e a mãe acaricia calmamente a cabeça de sua filha, que dorme deitada no seu colo.

sábado, 16 de agosto de 2008

A madrugada da manhã

A noite seguia como sempre
A Lua brilhava com nunca
Todas as estrelas cantavam a mesma canção

O gato ronronava tranquilo
O relógio narrava a madrugada
A noite seguia como nunca

Minha alma fugia enquanto eu dormia

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Para sempre Carmela - parte II

Rodolfo acordou um dia se sentindo muito bem. Para ele, naquela manhã tudo estava maravilhosamente perfeito.
A sua careca não brilhava tanto quanto no dia anterior e as suas canelas pareciam um pouco mais grossas. Seu hálito não parecia estar tão ruim, e de repente as flores pareciam graciosas.
Realmente, naquele dia tudo estava lindo. Principalmente Carmela. Naquela manhã, Carmela estava ainda mais linda do que em qualquer outro dia.
Tinha os cabelos loiros presos em uma longa trança, e seu vestido azul claro estava sujo de terra. Pingava suor enquanto regava as plantas no jardim, e até o sangue que saiu do seu joelho quando tropeçou na mangueira estava mais bonito naquele dia.
Após ter caçado o seu almoço, e enquanto tentava limpar o enorme animal, Rodolfo considerou a possibilidade de ir conversar com ela naquela tarde. Rodolfo era apaixonado por Carmela a muitos anos e achava que devia aproveitar a sua beleza temporária para conquistá-la. Rodolfo também pensou como faria isso, e não conseguindo pensar em nada bom o bastante, pensou em como tudo seria se ele conseguisse, afinal, conquistá-la. Mas depois pensou em como ficaria triste quando ela descobrisse do seu medo de relacionamentos, e quando aquele relacionamento dos sonhos acabasse. Mas, para se animar, pensou como ele ia conseguir superar toda aquela tristeza com a garota que ele conheceria no bar. Então pensou em como se sentiria culpado com isso, e como ia sofrer.
Pensou tanto que quase cortou o dedo fora.
Após ter almoçado a sua caça - e depois de escovar os seus dentes pela primeira vez em nove anos - Rodolfo foi conversar na janela com Carmela. Quer dizer, quando ele se aproximou da janela, ela fugiu, entrando em sua casa e indo procurar a espingarda de seu falecido pai.
(Rodolfo, há muitos anos atrás, tentou morder o namorado que Carmela namorava na época, não por ciumes, mas por pura falta do que fazer. Carmela tem medo de Rodolfo até hoje.)
Um pouco decepcionado, Rodolfo foi atrás dela, batendo na porta gentilmente, e pedindo-lhe atenção. Carmela não abriu a porta, mas espiou pelo olho mágico.
Conversaram um pouco sobre o tempo. Carmela achava que ia chover, e Rodolfo explicou-lhe que não, pois as nuvens estavam muito bonitas. É claro que quando Rodolfo terminou a sua explicação, um trovão encheu os ouvidos de todos da vizinhança.
Carmela achou tudo aquilo bonitinho, e disse-lhe que estava feliz em ver que tinha mudado.
Rodolfo ficou tão feliz em ouvir aquilo, que pediu sua mão em casamento.
Carmela, que hesitou em recusar, falou-lhe que eles só se casariam quando ela perdesse total noção do que é bom e do que é ruim - coisa que nunca aconteceria - e que quando ele aprendesse a amar uma joaninha sequer, ela poderia considerar em conversar com ele na janela.
Rodolfo foi embora, direto para a floresta, onde pegou um esquilo para chamar de seu. O pobre esquilo fofinho acabou sendo amado por Rodolfo, que, mesmo com implante de cabelo, não conseguiu conquistar o coração de sua para sempre amada, Carmela.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Arco-íris no olhar

A caçadora de arco-íris estava procurando pelo arco-íris noturno perfeito.
Procurou por todos os lados, nas noites estreladas ou vazias, com a lua cheia ou minguante. Nunca perdeu a esperança, mas nunca conseguiu encontrar nenhum.
Todos ao seu redor a encorajavam, jurando com promessas longas que ela ainda encontraria o tal arco-íris noturno, incentivando-a a continuar a busca sem sentido. Todas as pessoas menos uma, sua melhor amiga.
Sua melhor amiga sempre tentava fazer com que parasse com essa procura sem sentido, e que recobrasse o juízo.
Uma noite, estavam discutindo no quintal, com a lua acesa no céu escuro. Foi então que a caçadora de arco-íris percebeu no olhar da melhor amiga algo que nunca tinha percebido antes. Algo quente, estranho, diferente.
Foi então, que a caçadora de arco-íris encontrou no olhar de sua melhor amiga, o que sempre procurou.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Para sempre Carmela - parte I

Ele era a única coisa que ela desprezava. Ela era única coisa que ele não odiava.
A borboleta azul estava pousada na janela, batendo as asas delicadamente e irritando Rodolfo profundamente. As flores que nasciam no jardim, mostrando a beleza da primavera, estavam sendo preparadas para serem queimadas da forma mais brutal e desumana que se pode imaginar. Os passarinhos, com seus cantos relaxantes, eram expulsos com pedras e balinhas de chumbo.
Rodolfo era um homem grande - não alto, mas grande. Feio até não poder mais, podia ser descrito como a própria figura da besta. Era grande, fedido e burro. Rodolfo era careca, mas tinha uma barba duvidosa. Sua barriga era grande e chamativa e suas canelas, finas e confusas.
Rodolfo odiava tudo. Tudo e todos. Não entendia a razão da existência de muitas coisas, entre elas a natureza, a água e os animais. Ele não gostava muito das mulheres e crianças, ou dos velhos, ou dos homens.
Rodolfo era muito crítico, egoísta e um pouco ignorante.
Mas Rodolfo guardava um segredo muito bem guardado embaixo de toda aquela gordura e maldade, e por mais bem disfarçado que fosse, todos sabiam que ele gostava um pouquinho de Carmela, a filha da vizinha.
Ah, Carmela!
Uma miragem, musa, deusa, perfeição. Parecia uma princesa, de tão bela que era. E como era gentil! Cantava com os pássaros todas as manhãs, cuidava dos insetos machucados e adorava todos os seus mamíferos de estimação - que, só para constar, eram muitos.
Rodolfo vivia sua vida muito bem, de acordo com os padrões que ele mesmo estabeleceu. Ele acordava tarde porque queria, ele almoçava fritura porque gostava, ele atirava nos animais porque isso o acalmava. Era assim que ele passava os seus dias, enquanto Carmela acordava cedinho só para ver o pôr-do-sol, almoçava verduras recém-colhidas das horta e plantava flores coloridas e cheirosas no jardim.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Te prometo

A arte de saber querer me encanta.
Talvez tudo me encante.
Talvez queira nada.
Talvez eu não saiba tudo,
mas na madrugada eu me descubro.

A madrugada - ah! A madrugada
é um caso perdido.
Me mostra, então, o sentido da noite
pois o da tarde já conheço.

Sonhos, covardia, borboletas
Me mostra a grande diferença
Que eu te mostro a razão do amanhã

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Ser

Tenho medo de me conhecer por inteiro. Tenho medo do resultado. Pode ser que eu seja uma pessoa muito boa, muito ruim, ou um nada.O que me dá mais medo é saber que as minhas chances de ser nada são iguais as minhas chances de ser algo bom.

No ônibus velho e barulhento éramos ao todo seis. O motorista, concentrado em uma distração, o cobrador que dormia e eu que observava as outras três pessoas.
Havia uma moça de unhas vermelhas e cumpridas. Mãos entrelaçadas sob as pernas, olhava para o céu escuro pela janela. Respirava ofegante. Sentava-se a minha direita umas três fileiras para frente.
Um homem deitado no banco, logo atrás da moça. Tinha a cabeça encostada na janela e o pé pendurado da perna apoiada. O pé se mexia de acordo com o sacolejo do ônibus. Os braços cruzados sob o peito. Estava encolhido, como se estivesse com frio. Olhava para o chão no meio do corredor do ônibus. Mal parecia respirar.
Logo atrás dele, do meu lado, mas do outro lado do corredor, havia uma senhora. Com uma simplicidade elegante, olhava para frente apenas, talvez sem ver nada. Segurava nas mãos a alça da bolsa e um terço de madeira. Sua serenidade assustava.
Já eram altas horas da noite, e o ônibus continuava seguindo, balangando os pensamentos daquele povo. Só queríamos chegar em casa. Foi um passeio longo aquele. Vínhamos de longe. Os quatro subiram no mesmo ponto, decididos. Isso já fazia muito tempo. Horas, eternidades. Vimos pessoas entrarem e saírem, subirem e descerem. Juntos ou sozinhos. Mas nós ficamos ali.
Sim, ficamos.
Já àquele ponto éramos uma família. Ou poderíamos ser, se nos desligássemos dos nossos pensamentos por um instante sequer. Mas e eles, o que será que pensavam? Eu sabia no que pensava, e gostava. Mas eles?
Será que pensavam na vida? Não consigo entender porque se pensa na vida. Não é como se achará alguma solução para qualquer coisa. São apenas devaneios sem sentido. Nem pensamos nas coisas boas da vida. Por que será? Pode ser porque estas são usadas e desperdiçadas assim que se atiram à nossa frente. As coisas boas são modos de se sair da depressão. Ou modos de se entrar na solidão, ignorância, confiança.
Com as coisas ruins aprendemos. Aprendemos a não sentir, para não sofrer. As coisas boas acabam todo esse aprendizado. Coisas boas não servem para nada.
A noite estava bonita, a lua crescente. Havia algumas estrelas no céu. Olhei para as unhas da moça. Vermelhas, longas e bonitas. Então vi as minhas curtas e sujas. Olhei os sapatos do moço, sujos, velhos, cheios de buracos. Então vi os meus limpos, novos e inteiros. Olhei para a senhora e vi um auto controle, uma serenidade absurda. Então senti a inveja subindo pelo meu corpo, como uma onda violenta.
O ônibus balançava de um lado para o outro. Cantava um pouco também.
Perto do meu ponto levantei-me e apertei o botão. Os outros três também. Descemos no mesmo ponto e caminhamos para a mesmo direção.
A senhora olhava para frente, concentrada, porém em qualquer outro lugar. O moço chutava tudo que lhe cruzava o caminho. A moça caminhava calmamente olhando para baixo. Equilibrava-se inconsciente nos saltos altos que pisavam fortemente na calçada quebrada.
Parei na frente da minha casa. Abri o portão e entramos. Eu, a moça, a senhora e o moço. O moço fechou o portão atrás de si.
Ouvi o despertador tocar.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A Lua no Lago

A noite estava escura e ele se sentia sozinho. O reflexo da Lua grande e redonda brilhava no lago vazio. A fogueira estavala com as suas últimas labaredas e o vento cantava suavemente. Seus cabelos e cobertor que o mantia quente balançavam, como em uma dança estranha. Estava tudo muito quieto e mesmo assim, barulhento.
Olhava para cima e só conseguia ver as estrelas que brilhavam no céu escuro, como um sopro de purpurina em uma cartolina preta. A Lua estampada nas águas do lago não existia no céu.
Pegou o violão que estava deitado no chão perto de seus pés e dedilhou um acorde. A musica dos insetos era muito mais bonita. Jogou o violão no fogo e respirou fundo. "Por que acabei de jogar o violão do meu avô no fogo?" pensou cansado, mas como não conseguiu achar uma boa resposta, voltou a olhar a Lua no lago.
Nunca tinha visto reflexo mais bonito. Era a Lua mais estranha que já tinha visto antes. Redonda, brilhante e misteriosa. Perfeita dançarina nas águas escuras.
Pegou alguns gravetos que estavam ao seu alcance e jogou-os no fogo também. Agora as labaredas eram altas e laranjas. "Estou cansado de abóboras" disse em voz alta, mesmo sem saber por quê.
Olhou para atrás, mas só conseguiu ver as sombras das árvores. A Lua do lago ainda era a coisa mais bonita daquele lugar. "Não posso esquecer de colher aqueles morangos que nasceram na macieira" lembrou de repente, com um certo nervosismo.
A Lua no lago continuava linda. O céu continuava estrelado. Tudo era igual o tempo todo.
Tirou os sapatos e jogou-os na fogueira, junto com o cobertor. Encarava a Lua no Lago com uma paixão que nunca tinha sentido antes. A Lua era a melhor coisa que já havia lhe acontecido.
Entrou no lago com deixando a água chegar a altura de seu umbigo, pescou um peixinho prateado que passava por lá. Segurou-o bem forte com as duas mãos até que ele parasse de se debater.
Olhou para a Lua mais uma vez, mas desta vez ela não estava perfeita. Ela estava estragada. Havia um pedaço faltando, um pedaço em forma de peixinho

sábado, 2 de agosto de 2008

Echarpe vermelha

E lá estava eu. Naquela noite escura e fria, na ponta da ladeira, na frente do meu carro, que estalava de vez em quando para estragar o silêncio que me envolvia. Olhava para as estrelas, mas não achava o que procurava. A grande resposta que esperava. Lá na frente à cidade. A mais linda vista. A cidade toda iluminada, os prédios, os carros, as pessoas que continuavam com suas vidas, que cumpriam a rotina sem hesitar, seres humanos, com leves sentimentos, nada que se possa chamar de verdadeiro.

A vida passando diante de meus olhos. E eu lá. Sem fazer nada. Somente, tentando pensar em algo, tentando me concentrar. Mas era muito difícil. Há certas coisas que te atordoam para sempre, que você não consegue tirar da sua cabeça. O problema é que eu não conseguia lembrar o que tinha se passado. Olhava no meu relógio a cada 5 minutos, mas não conseguia lembrar o horário. Só conseguia lembrar que era uma quinta-feira, e que tinha acordado para ir trabalhar, mas algo aconteceu e eu acabei indo para a casa de Alice.

Fiquei lá como petrificada. Uma buzina distante me acordou. Lembrei porque estava lá o que tinha feito de tão horrível que não conseguia nem pensar. Eu tinha feito uma coisa tão terrível que nenhum ser humano seria capaz de fazer. Se é que eu poderia ser chamada de ser humano.

Tinha ido para a casa de Alice para pegar a minha echarpe vermelha que tinha deixado lá no dia anterior. Estava saindo quando ouvi um grito vindo de dentro da casa. Vi, então, um homem todo de preto, Alice no chão, no pé do sofá, com sangue nas mãos e no rosto. Percebi uma arma no chão perto de mim. Sem ele notar a minha presença, e sem pensar no que fazer, pequei a arma e puxei o gatilho. O homem caiu no chão com um berro. Aliança no dedo, garrafa na outra mão. Seu rosto me era familiar, mas estava atordoada, e não conseguia lembrar quem era. Era o marido de Alice. Bêbado, e na minha frente morrendo. Mas, o pior detalhe eu guardei pro final, a coisa mais assustadora da historia inteira. Alice, meu querido leitor, era minha cunhada.

(Este foi o primeiro texto que escrevi por vontade própria, e que gerou todos os outros que estão dentro e fora deste blog)