quarta-feira, 18 de julho de 2012

aspas

"A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo silêncio é música em estado de gravidez." - Mia Couto, no Antes de nascer o mundo.  

quinta-feira, 10 de maio de 2012

L

Ela, só assim, uma personagem. 
Sim, daquelas que estão sempre em cena nos contos de natal, esquentando o ambiente com carinho. Toda real porém, mulher de carne, osso, coração e alma. 
Corajosa eu sou!
Os olhos semicerrados pelo sol do meio da tarde, conta história depois de história depois de história. Mãos atadas sobre o colo, tornozelos cruzados. Os ombros erguidos perto das orelhas - tá frio, non? Com amor, nós a ouvimos. Orelhas atentas às reviravoltas, acompanhando cada portanto, cada senão. A frase começa de novo e de novo, as sobrancelhas se curvam procurando a palavra certa, a entonação que sobe e desce até que conclui - 
Eu, hein!?
No rosto redondo, cada ruguinha guarda uma emoção, um sabe que uma vez... Uma vida inteira. 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

7am

o ponto de ônibus fica no topo da ladeira, bem em cima da barriga da rua que logo ali na frente volta a descer. a luz que nasce e cega, o sono insistente pesa, e os olhos se forçam fechados. dali a pouco, chegando, um som mais baixo do que os carros, mas com certeza se aproximando - o que é isso? um som molhado de respiração ofegante. mais quatro patas cansadas que tictic passeiam no concreto. Espere - ouça mais atento, conte de novo: são duas respirações e pelo menos seis patas que tictictec sobem a calçada. puxa, que sincronia! na cabeça, lendas urbanas circulam e se anulam (nenhuma caminharia em plena luz do dia!). o som está bem perto agora, só um braço de distância... dois olhos abrem curiosos, descobrem: um homem de boca aberta passeia o seu cão com a língua de fora. 
ora, só isso?! 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Nota:

qual pessoa escreve no meu diário?
eu? você? nós?
só não ela, por favor - a terceira pessoa é o cúmulo do desapego.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Vizinhança


O grito que se escutou pela rua escapou da boca de uma moça descamisolada que, de pé ao lado da cama, emaranhava seus dedos na raiz dos cabelos encaracolados. Mas, descalça, hesitando em seus pés, estava escondida no escuro do seu quarto e, portanto, ninguém a adivinhava.

- O que houve? Quem gritou?

Na frente da casa térrea amarela, sem jardim e sem portão, começava a se concentrar um aglomerado de curiosos em seus pijamas. Moças de bobs, moços de boxers, velhos de robes, crianças de pantufas. Batiam na porta, encostavam as orelhas nas janelas, subiam nas pontas dos pés.

- Alguém morreu?
- Ela o matou?
- Foi ela quem morreu?
- Deus acuda, que pecado!

A porta continuava trancada e as janelas, cerradas. Chave, corrente, fechadura tetra. Veneziana, vidro, cortina. Nada entrava, só saiam os sons de portas batendo, conversas exasperadas, correrias e sprays.

- Estão tentando limpar o sangue!
- Me disseram que ela foi esfaqueada.
- Nada, ouviram um tiro logo antes do grito. E acho que foi ela quem puxou o gatilho...
- Meu Deus, que pelo menos tenha ido em paz!

Como o barulho de dentro da casa parou de repente, levantou-se uma nova excitação no pessoal parado na rua. Precisavam descobrir o que havia se passado, mas ninguém atendia a campainha. E, claro, não podiam simplesmente arrombar a porta – todos concordemos que é preciso respeitar a privacidade alheia.

- Não nos apressemos! – um velho se decidiu líder, falava grave enquanto amarrava o robe na cintura – a casa não tem outra saída se não a porta da frente. E nós, bons vizinhos, a estamos bloqueando. Em algum momento, o infeliz que tão cruelmente matou nossa companheira de bairro vai precisar sair. E assim que abrir a porta, vai se deparar com esta multidão pronta para fazer justiça!

Uma nova vibração de apoio e aceitação correu por aquela rua. Toda a gente se dividiu em grupos, sob as orientações cuidadosas do velho. Alguns foram levar as crianças para dormir, outros foram buscar cadeiras, outros ainda recolheram cobertores e uns fizeram café. E ali, separados os turnos e os biscoitos, iniciou-se uma tocaia. Unidos, pegariam o culpado por o que for que tenha feito!

A noite passou, logo chegaram as primeiras horas da manhã. Dentro da casa, ainda nenhum movimento e no grupo de tocaia, uma nova preocupação: tinham aulas para assistir, reuniões para comparecer, fábricas para fazer funcionar. Após uma breve assembleia e votação, decidiu-se que, bem, se a pessoa não saiu até agora, não deve ter sido nada mesmo, né?

O grupo prontamente se dispersou. Cada um voltou a cuidar de sua vida e a manhã continuou no seu passo normal. A casa permanecia selada, indiferente a qualquer perturbação.

Lá pelas nove horas um barulho na porta: era a moça – agora vestida e calçada – saindo para o trabalho. Levava consigo a sua bolsa, uma pasta, uma jaqueta e um saco de lixo, onde levava o cadáver do sapo que havia surgido em seu quarto naquela madrugada. Com nojo, largou o saco de lixo na lixeira da esquina e seguiu seu caminho para pegar o ônibus.

E o pobre sapo nunca viu sua prometida justiça, cumprida. 

terça-feira, 17 de abril de 2012

anônimo

era tímido, muito tímido.
não olhava as pessoas nos olhos para não ser descoberto.
não falava em voz alta para não ser decifrado.
havia coisas que só pensava de costas para o espelho.
guardava segredos que não contava nem para os próprios ouvidos.
mas sentia-se bem em ser anônimo.
no silêncio e na calma, construiu seu próprio mundo.
um mundo, é verdade, que só se edificava quando ele pegava a caneta e num papel branquelo, rabiscava.
linhas retas, linhas tortas, deitadas e de pé.
tão bonitas, tão sensatas, tão concretas.
e simplesmente, o Criador, não sentia mais vergonha – sentia só o sangue que esquentava e as bochechas que enrubesciam e as mãos ágeis que suavam e um sorriso confortável que surgia e na cabeça milhares de ideias.
e se lá fora ele gaguejava, engasgava, hesitava.
aqui dentro ele rabiscava, edificava, construía. 
um mundo só seu - não é o que todos querem?
risco sobre risco, círculo aqui, quadrado ali.
e no coração a liberdade que só se encontra no secreto:
- se não há certos e errados,
       não há tristes e feios.

domingo, 8 de abril de 2012

Sodade

De repente estava na nossa frente aquela que por tanto foi uma voz do outro lado do telefone. E a figura nas fotos na tela do computador. E a memória que povoa a cabeça de tempos em tempos, trazendo ao peito um aperto e aos lábios um "você lembra daquela vez que..."
Pois então estava, verdadeira. Os minutos de espera foram eternos - a ansiedade torna tudo eterno. Mas finalmente a tínhamos à nossa frente, nos nossos braços, na nossa casa. 
Uma parte que faltava de um todo que sempre foi um pouco manco. 
Risadas, histórias, carinhos - tudo o que diminui as distâncias e transforma em minutos os muitos anos em que estivemos tão longe. 
Tanto ouvimos do que não há ali. Ora, agora percebo, também nos falta muito quando você não está a cá.
Pena que duas semanas passam tão depressa. E pena que a tua - ou a nossa - realidade não possa esperar até que terminemos de matar essa saudade.
Mas a casa - e os corações - estarão sempre abertos para vocês. Volte logo!

sexta-feira, 30 de março de 2012

impressões de um mês

todos os dias, algo novo. algo completamente diferente de tudo o que já vi, e ao mesmo tempo, algo que irei me acostumar a ver pelos próximos anos. é uma enxurrada. e tudo passa tão depressa quando se está despreparada.
me olho no espelho, de novo e de novo - o rosto é o mesmo, mas poxa!, tudo mudou aqui por dentro.
é essa coisa de liberdade. e essa coisa de escolhas próprias. e essa coisa de maturidade. não faz muito bem pra cabeça; faz muito bem pra alma.
respiro melhor, durmo melhor, sorrio melhor.
e todo um futuro estendido à minha frente. que pressa que tenho, só quero alcançá-lo. vou dormir pensando no dia em que poderei dizer, com humildade e orgulho e um toque de vaidade: sim, eu fiz a minha vida acontecer. bem do jeito que quis. 
esse dia vai chegar, ô se vai.

domingo, 11 de março de 2012

#3


É uma linha muito tênue que delimita o estar sonhando e o estar acordado. É um de repente que faz com que o sonho se desmanche e os olhos se abram. Pesados, os olhos veem alguns borrões, enquanto um suspiro longo sobe pelo nariz e os lábios grossos se descolam. Rola na cama até estar de barriga para cima, se livra do edredon, estica o corpo até as pontas dos pés. Por alguns instantes ainda, com o corpo completamente imóvel e os olhos completamente abertos, encara o teto branco acima da cama. Pra quê? – para acreditar que acordou, para se lembrar do que tem que fazer agora, para desenhar na cabeça quais serão os próximos passos, para ter certeza de que o teto está exatamente onde o deixou na noite anterior. Poe os dois pés juntos no chão, pés descalços no chão frio. Mexe os dedos, alonga os tornozelos, estica as costas, estala o pescoço. Quando finalmente levanta, postura firme, sente calafrios correndo o corpo quente como raios, arrepia os pelos do antebraço e os punhos se fecham como um reflexo.

De pé na cozinha, esquenta água para um chá. A chaleira amassada vacila em cima do fogo aceso, som metálico de um tec-tec mecânico. O cheiro de maresia na mobília, nos talheres, nos papéis, nas roupas, impregnado no nariz. O vento vem do mar e bate na porta, mas não pede licença para entrar pela janela. Cerrada, a cortina ainda resiste um pouco, mas cá e lá abre um espaço para que a brisa invada a sala. O sol parece que expulsa as nuvens do céu, o azul fica até esbranquiçado. Próximas, as ondas avançam gentis na areia, de novo e de novo; lá longe, batem nas pedras e para trás só deixam uma espuma amarelada.

A chaleira apita.
O chá é feito.
A onda avança na areia.

Senta-se na primeira cadeira que vê, xícara ao alcance. Como quem pretende impressionar alguém, cruza as pernas e abre o jornal com determinação tal que as folhas se amassam e quase rasgam. As pupilas dançam pelas palavras, algumas chamam sua atenção, os lábios imitam uma leitura e as sobrancelhas se curvam em apreensão – na cabeça passeiam mil ideias, mas nenhuma relacionada com o que vê no papel. Volta a dobrar o jornal e o coloca no chão. Aperta a xícara com as duas mãos, dá um gole e outro mais. Com os nós dos dedos ossudos bate na mesa de madeira para afastar um pássaro que havia parado no peitoril da janela – e com o seu pescoço de pássaro, olhava para cá e para lá, e para lá.

Então, ali, espera. Pois a manhã vai acabar e a tarde vai passar e a noite vai chegar. Será hora de fazer todo o ritual ao contrário – tomar mais um chá, voltar ao quarto, deitar de barriga para cima, encarar o teto, guardar-se no edredon e fechar os olhos até que, sem perceber, esteja do outro lado daquela linha tênue, sonhando. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Nota:

... estou em Marte? - mas a pergunta visceral, dolorida de ser feita, saiu da boca em tal volume que nem aos seus próprios ouvidos chegou. Por um instante ainda, boba como só ela pode ser, ficou esperando um ou outro eco de sua voz - mas nada, claro. Pega de novo entre o vazio e a surpresa, respirou fundo. Dessa vez seria ouvida, nem que fosse até por outras pessoas também. E quando abriu a boca e sentiu seus lábios gesticularem, percebeu que, involuntariamente - e, portanto, incontrolavelmente - a tal pergunta visceral se transformava numa afirmação maldita - estou em Marte! - ela gritou, sem conseguir se segurar, e ainda repetindo mais duas ou três vezes, cada vez mais alto (talvez para retardar o momento em que lhe restaria apenas seu eco - e mais nada.)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

São duas

senhoras, solenes, elegantes. Blusas de seda, perfumes franceses, pérolas e ouro. Uma usa sapatos de salto  que batem firme no piso frio e ecoam pela sala vazia; a outra usa crocs. Uma fala, fala, fala; a outra come pipoca e concorda. 
- ...então, casou com o padre! 
- hmm, hm!?
- é! também não acreditei... um pa-dre! isso sim é ter Jesus na vida... 
Sentadas na mesa do café, continuaram debatendo sobre como a moça em questão pode deixar um advogado para se casar com o padre - 
- tá certa ela, o advogado era um bobo, um crianção. uma vez perguntei a ele se também gostava de  Chopin - por que ela toca Chopin né, você já chegou a ouvir? nossa, toca muito, muito bem. aprendeu com o avô, o que era militar e perdeu um rim - bom, perguntei se ele também gostava de Chopin e ele me responde - o quê? a bebida? bobinho, ouviu champagne!
- é ingênuo, só isso. antes ela morava numa casa com piscina, dois carros na garagem, roupa nova toda semana. agora ela tem o quê? hóstia pro jantar! que Deus não me ouça... 
Um funcionário do café se aproxima para devolver o guarda-chuva que uma delas esqueceu no balcão. 
- oh, que cabeça a minha! olha, é muito raro eu esquecer guarda-chuva por ai, viu? muito raro mesmo, acho que só me aconteceu duas ou três vezes. deve ser o calor, me deixou esquecida. muito obrigada, viu mocinho? muito gentil da sua parte, o que eu faria sem o guarda-chuva nesse tempo maluco. está muito maluco esse tempo né, um calor insuportável e então chove...
O funcionário, desconfortável, sorria esperando a sua chance de ir embora - sim, sim. verdade. maluco, não? viu uma brecha em um cliente que se aproximou do caixa - com licença, senhoras, tenho que trabalhar - e se afastou da mesa o mais rápido o possível. A mesma senhora continuava:
- ah sim, claro, é importante trabalhar.  E então para a amiga - que gracinha, não? mas olha, faz anos que não perco um guarda-chuva assim... agora, emprestados? já perdi catorze!
- nossa, catorze!? que abuso! eu deixei de emprestar depois do segundo. 
Colocando mais e mais ketchup no seu pão de queijo, a primeira senhora continuava falando. Sobre o neto, sobre o filho, sobre a nora, sobre o gato. A outra senhora balançava a cabeça enquanto lambia os últimos grãos de milho não estourado, soltando ocasionais mm, hmm! que reafirmavam as opiniões da amiga. Quando estava prestes a me levantar para ir embora, tive a chance de ouvir da primeira senhora contar -
- ah, adoro ketchup! sabe, coloco em tudo, tudo mesmo. no arroz, na carne, nas batatas, no peixe, na lasanha, no camarão, no caviar... da última vez que tive que acompanhar meu marido para um jantar do departamento, eu aproveitei e levei também alguns sachês de ketchup daquele restaurante... qual é o nome mesmo? McDonaldo? é, acho que sim. bom, levei comigo alguns sachês de ketchup na bolsa pra colocar na minha comida né, você sabe, é sempre tão insossa. cheguei lá, serviram o jantar - um macarrão sei-lá-o-que, que estava horrível por sinal - e quando eu fui pegar o ketchup na bolsa, dois saches tinham estourado! meu lenço da Dior - aquele meio cinza, que meu marido deu de 28 anos de casamento - está cheirando a tomate até hoje! e olha que eu já o lavei duas vezes, hein...




(pois é, São Paulo. Me enganei sobre você. No final das contas, você é sim uma ótima cidade para se escutar...)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

D.R.

ele estava claramente nervoso. balançava as pernas, rasgava um guardanapo em pedacinhos, dava pequenos goles na sua água com gás, olhava para a entrada da padaria - e recomeçava. de repente se lembrava de algo,  retorcia a bochecha como se tentasse piscar um olho só e escrevia mais uma frase num guardanapo que parecia conter uma lista. roía as unhas, olhava para o teto. escrevia mais alguma coisa no papel. e recomeçava. 

então ela chegou. roupa social, como se tivesse saído de um escritório, mas cabelos loiros soltos e bagunçados, como se tivesse andado muito tempo no vento - e ventava bastante lá fora. entrou na padaria e logo o viu, abriu no rosto um sorriso aliviado, satisfeito. ele endireitou a postura, passou uma mão no cabelo enquanto a outra fazia um aceno tosco. suava. 

ela sentou na frente dele, contou-lhe uma coisa ou duas - o trânsito, a condução cheia, a chuva que vinha. e sorriu mais uma vez, aquele mesmo de antes. ele a olhava na transversal, desconfortável. estava óbvio que não ouvia tudo o que ela dizia. então, ela lhe perguntou se tudo bem. ele lhe mostrou o guardanapo
- cheguei aqui faz tempo. escrevi essa lista, achei treze motivos por que a gente tem que se divorciar. 

os ombros dela desabaram, os braços caíram ao seu lado. sua nova postura a fez diminuir muito de tamanho diante do homem agora de braços cruzados e costas eretas. eles se olharam por um minuto longo. silêncio. agora com as mãos sobre os olhos, ela chorava. e ele balançava as pernas, rasgava um guardanapo em pedacinhos, dava pequenos goles em sua água com gás, olhava ao redor. e recomeçava.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

3ª parada, Av. Consolação

era esquisito, sem dúvida. do jeito que andava pela calçada, cambaleava pela avenida, rastejada pela vida. os ombros tortos, como quem carrega peso, a mão esquerda balançando livre na altura do joelho enquanto a direita segurava o elástico da calça na cintura. e que cintura fina, magra, ossuda. vinha mancando, mal dobrava os joelhos, um pé aqui e outro alí nos chinelos de couro gastos. roupas escuras, sujas, rasgadas nas barras. poeira nos cabelos e barba. o ponto de ônibus, cansado, desconfiado, o observava se aproximar com o canto do olho. e ele vinha, fungando, respirando com dificuldade - a boca aberta, a tosse, o barulho úmido do nariz entupido. estava perto do ponto, que agora o encarava com frieza. parou de repente. fungou mais uma vez e deixou juntar na boca a mistura rançosa. malicioso, olhou aos pés no ponto. examinou os sapatos. fixou-se na senhora de sandálias, ergueu uma sobrancelha, exercitou as bochechas, posicionou os lábios e

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

#2

(Agora) permitia-se pender junto ao vento e vascilar com a maré. Neste vem e volta impreciso aprendeu, com cores vivas, a ter-se para si e entregar-se para os outros. Tudo muito novo, sentia-se sem ar diante do novo mundo que construía com carinho. No peito sempre ofegante, sempre pequeno demais para a vida que planejava, sentia um calor adocicado com amor, impaciência e alecrim.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nota:

(a questão é outra, afinal ainda se sentia a mesma. via-se no mesmo corpo de menina, cabeça de menina, futuro desenhado à giz de cera - tal qual o de uma menina. mesmo assim olhavam-na agora como... não sei, havia sim algo diferente. não era desejo nem escárnio, mas um outro tipo de pecado, algo que sentia bater na sua pele, mas não ardia, não deixava marcas. apesar de não poder tocá-la, a diferença estava exposta, talvez até mais do que deveria.)